Chico e Luiza...

Era fevereiro, manhã de fevereiro, as coisas aconteciam e outras deixavam de acontecer. Era 12 de fevereiro. Chico tinha sérias dificuldades para acordar cedo em dias de compromisso. Fosse o compromisso mais importante havia sempre uma conspiração dos deuses do sono para lhe passarem a perna.

Chico era um cara comum, era professor. Um professor comum! Vivia se queixando dos problemas do mundo e da calvície que não o deixava em paz. No dia 12 de fevereiro, Chico acordou atrasado, como era de praxe, mas acordou e seguiu para seu compromisso... Foi um dia comum. Sorriu, irritou-se, foi bobo, esperto, pediu desculpas, licença, deu bom dia, boa tarde, comeu, bebeu e lecionou da maneira que mais gostava, acreditando!

No fim da tarde, Chico parou e sentou-se. Abriu sua mochila onde guardava seus "segredos", tirou o retrato dela. Fixou sua vida inteira naquele retrato, tentou não sorrir vendo o sorriso dela. Tentou não dizer "eu te amo" olhando nos olhos dela... Tentou não amar mais lembrando dela... Mas só tentou, sem êxito! O professor que quase sempre se atrasava decidiu vê-la... Decidiu vê-la de um jeito diferente, "do lado dele", com ele, mais com ele!

Chico colocou tudo na mochila e desceu as escadas da escola... Despediu-se dos alunos, do porteiro "Odilon" - um botafoguense feito Chico - e correu para pegar a condução. Correu como nunca havia corrido antes. No caminho começou a pensar no que dizer, em como dizer, como olhar e o mais intrigante, o que ela iria pensar. Mas o professor era teimoso e mesmo assim foi e chegou lá. Pediu ao porteiro que, já o conhecia, que o deixasse subir sem estragar a surpresa com essa invenção sem graça que é o interfone! Chico entrou no elevador, apertou o 2º andar e subiu. Subiu também um frio na barriga, as mãos suavam feito panela de pressão e Chico gaguejava até seu nome. Chico ficou 30 minutos sentado na porta dela... Pensando. Criou coragem e tocou a campainha uma, duas vezes. A porta abriu! Como era de costume, Luiza estava de óculos e com um livro. Chico não soube dizer que livro era e nem era importante isso. Ah, Luiza era o nome dela. Como a de Tom! Lindo nome e nela parece ficar mais lindo ainda, lhe cai como um vestido de noiva! Chico pediu para entrar e ela concordou, sem entender muito a visita repentina e o jeito nervoso do professor. Ele ficou 5 minutos olhando Luiza, exatos 5 minutos olhando o retrato mais próximo, com cheiro, cor e que tinha aquele sorriso, só aquele riso! Chico resolveu dizer-lhe o que havia ido fazer lá... De um jeito tímido, feito garoto da 4ª série, ele foi recitando um poema de Vinícius de Moraes, o que ele mais gostava. "De tudo ao meu amor serei atento..." Luiza o olhava com atenção e ao final do poema, Chico lhe disse um "eu te amo" como quem convida a viver junto, a dividir o que for inteiro, a abraçar duas vidas, a enxergar o outro do lado e não na outra esquina. Chico a beijou.

Chico abriu sua mochila e tirou um segredo, como o mágico tira sua mágica da cartola. O professor lhe deu um anel, mas não como formalidade, lhe deu um anel como quem entrega um pedaço de si. Como quem decide ser mais. Disse-lhe que era apenas um professor, que ensinava crianças, que talvez não fosse muito para ela, que possivelmente tivesse muitos defeitos, intermináveis defeitos. Mas que mesmo assim, mesmo sendo a personificação do imperfeito, decidira arriscar-se em tê-la. Arriscar-se vê-la dormir e acordar... Concordar em dias de TPM, entendê-la quando ficar escuro e entendê-la de perto, como quem diz "eu tô aqui"!

Chico, professor, amou Luiza todos os "12 de fevereiro" de sua vida e os outros dias também. Entregou-lhe o que tinha e o que ainda teria. E ela disse sim! Luiza e Chico não eram perfeitos separados nem juntos... Ela era linda e sagaz e ele gostava de falar sobre o seu dia e sobre música. Eram igualmente diferentes, mas ele era o diferencial que ela precisava!

Pedro Hermes
Enviado por Pedro Hermes em 22/03/2012
Código do texto: T3568827
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.