O câncer e os outros

Quero falar um pouco mais sobre o câncer, não porque queira dar corda pra essa doença infeliz, mas porque acredito que ainda tenho o que dizer e posso ajudar algumas pessoas.

Evidentemente trata-se apenas da minha visão, da minha opinião, mas vai ser difícil não falar de forma genérica, porém sem a intenção de invadir o íntimo ou ofender outros que estão passando ou já passaram por isso. Não é querer lhes tomar a palavra, ou adivinhar a dificuldade, a dor, o desgaste, o árduo caminho que é exclusivo de cada um, mas tendo conhecimento de causa me sinto no direito de tratar o assunto com alguma liberdade.

Desta vez gostaria de me dirigir ao entorno de quem está doente, aos parentes, amigos, maridos, esposas, filhos ou pais que se deparam com um ente querido com câncer, ou até mesmo àquelas pessoas que só passam pela nossa vida nessa fase. Gostaria de tentar mostrar alguns caminhos, ou dar alguns conselhos, sei lá, que ajudem os envolvidos a superar essa batalha.

Super poderes

Sugiro a essas pessoas que se armem de toda a paciência, compreensão, amor, força e coragem que for possível para enfrentar tal situação. Que se tornem temporariamente super-heróis, otimistas incorrigíveis, adivinhos, curandeiros e quase deuses, porque vocês vão precisar destas qualidades, mesmo que essas últimas sejam um tantinho de mentirinha.

Fé, esperança e bom humor

Não tratem a pessoa doente com piedade ou como se ela não tivesse mais chances, a gente sente isso nos olhos de quem pensa assim. Não encarem dessa forma, sempre há uma esperança e é aí que entra o bom humor. Pode parecer hipócrita ou insano, mas não há maneira mais fácil de lidar com isso senão com uma certa dose de humor e porque não, de insanidade. Agarrem-se a isso. Convençam-se disso. Vai ser mais fácil para todos.

Na época do tratamento, é verdade, chorei muito no dia em que meu cabelo caiu, mas depois eu costumava brincar que tudo tem o lado bom, afinal eu estava economizando um bocado com cabeleireiro, tintura, shampoo e creme para cabelo.

Sacrifício

Na medida do possível não demonstrem ao paciente o quanto estão sofrendo, já nos pesa toneladas saber que estamos fazendo vocês sofrerem. Vai nos custar muito mais se soubermos o quanto.

Em contrapartida tentem não se apropriar da dor do paciente, vocês já têm as suas dores para lidar e não há como imaginar o quanto a pessoa está sofrendo.

Aos mais egoístas, lembrem-se: vocês estão sofrendo, mas o doente está sofrendo muito mais.

Bom senso

Esta é para os que estão menos próximos. Tenham cuidado ao sair levantando a bandeira do “eu luto contra o câncer” ou “eu sou solidária aos doentes de câncer”. Eu pelo menos me sinto ofendida quando alguém que não é do meu íntimo aborda o assunto sem conhecimento de causa, ou quando alguém se apropria da dor de um paciente de câncer para fazer campanha sem sequer ter noção do tamanho da encrenca. Por mais boa vontade que tenha, parece que estão só fazendo tipo.

Não sei se acontece com todos que já tiveram essa doença, mas parece que eu me apropriei do assunto e tenho mais direito do que os outros de errar e acertar quando falo de câncer, posso até dar algumas mancadas, os outros não. E só aceito o mesmo de quem já teve câncer ou é muito próximo de um paciente.

Se a pessoa estiver exagerando na comilança, falem (com cuidado mas falem, rsrsrs) para eles não comerem tanto, nem tanto doce. Quando eles estiverem curados talvez se arrependam de ter engordado mais do que deviam. Que saudades do meu manequim 38!

Não façam perguntas invasivas como: Você operou? Teve que tirar a mama toda ou só uma parte? Desculpe perguntar mas você teve câncer de quê?

Como assim “desculpe perguntar?”?

Brincadeira!!! Pra que diabos alguém que não é o seu médico quer saber disso? Pra que serve essa informação senão apenas para matar a vil curiosidade do ser humano?

Pensem bem e respondam pra si mesmo se existe um ser na face da Terra que é a fim de dar detalhes desse tipo pra alguém?

Sei que nem é por mal, mas por favor nos poupem desse constrangimento.

Paciência e compreensão

Tenham paciência, tenham paciência, tenham paciência e tentem adivinhar em que momento tratar o assunto com leveza, na brincadeira, e em que momento se deve apenas ouvir e ajudar a enxugar lágrimas.

Tentem entender que por mais que o tratamento esteja indo bem passamos a conviver com a hipótese de que podemos morrer a qualquer momento, e é como se nunca tivéssemos corrido esse risco antes. O Ministério da Saúde adverte: esse fato aliado à medicação pode provocar altas instabilidades emocionais e atitudes totalmente esdrúxulas.

No meu caso, repito mais uma vez, depois de passar pelas fases iniciais da doença decidi que encararia com otimismo. Acho que foi uma das poucas vezes na vida em que tratei um assunto com uma overdose de “faz de conta”. Fiz de conta que era fácil. Resolvi ver assim porque de uma maneira ou de outra tudo aquilo acabaria, fosse com a minha cura, fosse com a minha morte, então eu ganharia mais se levasse na boa.

Mas esse é o meu caso. Não julguem e não critiquem outras reações, pois não é fácil.

Tenham paciência, tenham paciência, tenham paciência e relevem tudo de errado que um paciente de câncer fizer no período do tratamento, as ofensas, as birras, os chiliques, as chantagens emocionais, os “pés nas jacas”, pois nós faremos tudo isso de uma forma mais ou menos inconsciente, e não quer dizer que amamos menos vocês.

Talvez quando já estivermos curados a gente acabe querendo estender um pouquinho esse período de manhas, mas é só cortar e tudo bem, sabemos que não vinga.

Solidariedade com sinceridade

Tentem resistir um pouco à vaidade da bondade, eu sei que também é difícil, mas não ajudem o paciente só pra que vocês se sintam melhor, ajudem-no com sinceridade, se puderem fazer algo realmente por solidariedade.

Vejam que interessante uma definição de solidariedade que encontrei:

“Solidariedade: ... 6 Sociol Condição grupal resultante da comunhão de atitudes e sentimentos, de modo a constituir o grupo unidade sólida, capaz de resistir às forças exteriores e mesmo de tornar-se ainda mais firme em face da oposição vinda de fora... (Michaelis online).”

Há mais definições mas essa é suficiente, não?

Força

Nos momentos de exaustão, aqueles em que parece que vocês não podem fazer mais nada, ou que a paciência para ajudar, as forças para enfrentar acabaram, chorem, descabelem-se, gritem, desabafem com o taxista, revoltem-se com Deus!

Desde que o paciente não veja e não saiba, tudo bem. É importante expulsar o cansaço para recobrar as energias.

Falem do câncer com pessoas próximas de outros pacientes, leiam sobre o câncer, consultem o médico que acompanha o tratamento, é importante trocar informações, ajuda a desmistificar a doença e encarar as coisas com mais segurança. Vai fazer com que vocês se sintam melhor.

Desprendimento, coragem, carinho e atenção

Se o relacionamento com a pessoa que ficou doente estiver um tanto estremecido, se precisarem pedir desculpas, por favor peçam. Se tiverem vontade de abraçar a pessoa doente, abracem. Se tiverem vontade de dizer algo generoso, digam. Se sentirem necessidade de demonstrar o amor que têm por ela, o façam com esmero e sem medir esforços.

Não percam a chance de acalentar um coração por conta de sentimentos medíocres como orgulho, vergonha ou constrangimento. Tenham coragem.

Não pensem que se omitir e rezar pelo doente vai resolver tudo, porque não vai. Rezar em segredo por alguém adianta muito mais para a sua própria consciência do que para o outro.

A pessoa doente precisa de carinho, de atenção, precisa saber que é importante pra vocês. É daí que tiramos força pra dizer pra nós mesmos que devemos continuar.

Saibam que temos completo discernimento do quanto é complicado e desgastante para vocês também, sabemos o valor de cada minuto dedicado a nos apoiar. No final entendemos também as mancadas, os deslizes, tudo, mais tudo mesmo, fica menor e mais fácil de entender.

Por último e não menos importante: paciência, paciência, paciência.

É isso. Espero assim ter ajudado algumas pessoas a compreender melhor essa difícil, mas não impossível trajetória.