EMPATIA

Chegamos um pouco cedo ao velório. Aquele clima triste e apático, misturado ao odor das flores e dos perfumes variados, me causou certo enjôo. Não conhecia quase ninguém, na verdade o único do qual realmente me lembrava era justamente do falecido; um amigo recente do meu marido Carlos. Dois meses atrás, estávamos saindo da confeitaria, quando Carlinhos me apresentou ao seu novo amigo. Apesar de ser uma amizade nova, tinha certo tom de infância, uma intensidade de amigos antigos, quem sabe de outras vidas. Quem iria imaginar, meses depois estávamos a contemplar o mesmo rosto, outrora tão radiante, agora pálido, hediondo.

A decoração era suntuosa, não me parecia muito coerente com o nível econômico da família. O caixão era de ótima procedência, madeira fina, detalhes dourados e desenhos delicados. A mesma delicadeza observava-se nos tecidos, flores e almofada, com rendas fabulosas.

Mais pessoas foram chegando, vários amigos e amigas do casal se amontoavam em volta do caixão. Com o passar do tempo a tensão aumentava, pois todos sabiam que o ápice chegaria em breve, quando a viúva se aproximasse para despedir-se do marido. Finalmente chega o momento: a viúva junto ao caixão era o desespero puro, bruto. Chorava intensamente, às vezes parecia em outro mundo, numa dor infinita. Era impossível não imaginar-se no lugar dela, e isso ficava claro na torrente de lágrimas de todos, homens e mulheres. Assim é a vida, compartilhar a dor é uma das melhores formas de sentir-se humano. Mas apesar disso, empatia não parece ser um dom de todos.

Não quero aqui julgar ninguém, meu objetivo é descrever, me encanta a descrição por si só, com seus detalhes mínimos e reveladores. No entanto, agora vou opinar um pouco: foi muito estranho observar a frieza da senhora que amparava a viúva e tentava afastá-la do caixão, supostamente uma importante amiga. Essa mulher a certa altura, olhou fixamente para o caixão, mas era um olhar distante, parecia estar pensando em outras coisas, estava totalmente desconectada daquele momento tão intenso. E o mais espantoso foi que ela de repente verteu uma ou duas lágrimas, mas eu poderia jurar que não tinham nada a ver com o morto ou com a tristeza da viúva. Eram lágrimas concentradas, de uma dor muito mais profunda e complexa do que minha pena pode ensaiar.

Sendo assim, já penso em anular meu próprio julgamento. Afinal, certas dores justificam tudo.