Meu primeiro proctologista - Verríssimo

"Vinte anos. Ah, os vinte anos. De casados, claro! Casamos novos. Ela com 19 e eu com 20 anos de idade. Lua-de-mel, viagens, mobílias na casa alugada, prestações da casa própria e o primeiro bebê.

Anos oitenta e a moda era ter uma filmadora do Paraguai. Sempre tinha um vizinho ou amigo contrabandista disposto a trazer aquela muambazinha por um preço módico.

Ela tinha vergonha, mas eu desejava eternizar aquele momento.

Interrompi na sala de parto com a câmera no ombro e chorei enquanto filmava o parto do meu primeiro filho. Todo mundo que chegava lá em casa era obrigado a assistir o filme.

Perdi a conta das cópias que fiz do parto e distribuí entre amigos, parentes e parentes dos amigos. Meu filho e minha esposa eram o meu orgulho.

Três anos depois, novo parto, nova filmagem, nova crise de choro. Como ela categoricamente disse que não queria que eu filmasse, invadi a sala de parto mais uma vez com a câmera ao ombro. As pessoas que me conhecem sabem que havia apenas amor de pai e marido naquele ato.

O fato de fazer diversas cópias da fita era apenas uma demonstração de meu orgulho. Nada que se comparasse ao fato de ela, essa semana, invadir a sala do meu proctologista, câmera ao ombro, filmando o meu exame de próstata.

Eu lá, com as pernas naquelas malditas braçadeiras, o cara com um dedo (ele jura que era só um!) quase na minha garganta e a mulher gritando: Ah! Doutor! Que maravilha! Vou fazer duas mil cópias dessa fita! Semana que vem estou enviando uma para o senhor! Meus olhos saindo da órbita a fuzilaram, mas

a dor era tanta que não conseguia falar. O miserável do médico girou o dedo e eu vi o teto a dois centímetros do meu nariz.

A mulher continuou a gritar, como um diretor de cinema:

- Isso, doutor! Agora gire de novo, mais devagar. Vou dar um close agora…

Alcancei um sapato na mesa e joguei na maldita.

Agora, estou escrevendo este e-mail, pedindo aos amigos que receberem uma cópia do filme, que o enviem de volta para mim. Eu pago o reembolso.”

(Luis Fernando Veríssimo)

José Luís de Freitas
Enviado por José Luís de Freitas em 25/01/2007
Código do texto: T358342
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