Assim falou Arturo Bandini

Arturo Bandini é o nome adotado por seu amigo, um escritor decadente maníaco por histórias de realismo fantástico, foi ele quem disse a ela para que tomasse cuidado com os elfos, pois eles eram seres que resolviam aparecer assim, de repente, e roubar o que de mais sagrado a pessoa possuía; mas ela achava aquilo tudo muito engraçado, chamava Arturo de bobo, dizia que ele nem entendia nada de elfos, chamava-o de escritor de meia-tigela, que ficava tentando copiar o personagem de Fante, mas que nem para isso tinha talento já que vivia com essa fixação por seres mágicos e que ficava inventando histórias para em seguida colocar no papel e depois arrancar as páginas, amassar e jogá-las no lixo; mesmo assim gostava de ouvir, divertia-se com suas histórias mirabolantes sobre quando um dia o elfo chegaria em sua vida e roubaria seus pertences, as histórias de Bandini a divertia, até mesmo porque a fazia sair um pouco de seu mundo cheio de compromissos e regras, cheio de coisas perfeitas e corretas sem nenhum deslize, nenhum sequer; então gostava de se encontrar com Arturo e rir de suas histórias, fazer também interferências e dizer de como gostaria que fosse o seu encontro com o tal elfo, e realmente, numa certa noite em que ela estava nervosíssima, pois tinha de provar mil coisas, coisas que vinha provando há muitos anos, mas que a cada dia tinha de provar novamente porque no mundo profissional todo dia tem que se provar algo, ocorreu-lhe um fato que mudou para sempre sua vida; ela estava com seu espírito inquieto, todos os que lhe eram mais sagrados estariam presentes ao evento que organizara, e se nada desse certo, e se fosse tudo um fiasco, e se tudo fosse abaixo como numa grande tempestade, e se naquela exata noite a profecia conselheirense se confirmasse e o mar virasse sertão e o sertão virasse mar, ela suava frio, tremia, mas mantinha a classe, mantinha o sorriso e a pose, naquele vestidinho preto indefectível que ela detestava, mas pensando bem, ele lhe dava o aspecto de que precisava naquele momento, de seriedade, competência, elegância e até uma certa sensualidade, levemente marcante, mostrava as curvas de seu corpo, tudo sutilmente, como se ela não soubesse de suas curvas, mas que involuntariamente o vestido meio atrevido mostrava, e ela estava ali, na frente, inadvertidamente envolvida, nem se lembrava de elfos muito menos de Arturos, permanecia ali parada em frente ao palco, no meio da balbúrdia que precedem os grandes momentos e eis que sem ao menos avisar ou sem nem ao menos bater à porta ou tocar a campainha ou ainda fazer barulhos de passos ou de ruflar de asas, algo simplesmente pulou em sua frente, do nada, e lhe disse oi, simplesmente oi, e ela sentiu o céu se abrir e um ser envolto em névoas paralisar seus membros, e tudo o que se passou com ela depois foram gestos mecânicos, gerados pelo protocolo dos incessantes ensaios de dias anteriores, e ele repetiu o oi acrescido de seu nome, o qual ela nem prestou atenção, pois nada mais do que dissesse importava aos seus ouvidos, nada mais do que ocorresse importava aos seus olhos, nada mais do que fizesse importava ao seu corpo, à sua mente, ao seu habitat, e o chão se abriu, e ela flutuou, era a tempestade, era a hecatombe, era o caos, e as trombetas do apocalipse tocaram e ela tentou se agarrar, rezou, pediu ajuda aos santos e tudo ficou escuro, e tudo ficou turvo, mas cheio de brumas que vinham das profundezas dos mares e de um fog celeste europeu que a fez acreditar estar em algum lugar da Europa, sob o céu de Paris talvez, qualquer lugar que não aquele que ela conhecia até então e tudo ficou perdido e tudo ficou sem sentido e tudo pareceu não mais existir e ela se lembrou do elfo de Arturo, pensou ser ele, e sentiu o elfo arrancar de suas entranhas a si mesma e ela viu todo o seu interior flutuando por entre as nuvens, sua mente, seu espírito, seu coração, tudo o que lhe era de mais sagrado ele levava consigo e ela via, mas não conseguia fazer nada, entre desesperada e excitada ela via, ela olhava, e a noite corria, os atores se apresentavam, os garçons serviam, os autores autografavam, as pessoas comiam, os bailarinos dançavam, os poetas declamavam, os músicos tocavam, as luzes eram acesas e em seguida apagadas, e o locutor falava, e os fotógrafos fotografavam, e os sorrisos ecoavam, e os aplausos vibravam, e ela só via o elfo a levando para longe, e ele a levava e sorria para ela, com as mãos entre o queixo, num sorriso malicioso e olhar enigmático, acariciando-lhe delicadamente vez em quando cada parte roubada de seu corpo, e um silêncio lhe sufocava a garganta e lhe apertava o ventre, dizendo-lhe nada e tudo, e isso a deixava sem forças para nada, ela não tinha mais intelectualidade, não tinha mais sabedoria, não tinha mais senso, perdera ali todos os anos de estudos, os anos de esforços, de conhecimentos, de conceitos estabelecidos, tudo inútil, perdeu a seriedade, a certeza, seus conhecimentos, o elfo levava tudo consigo, e a noite acabou, o elfo se preparou para ir de vez e ela a via ir junto com ele, e os seus convidados a viam ali, parada, cumprimentavam-na pela grande noite e ela sorria sem nem saber por que e para quem, o elfo disse adeus e ela nem pôde responder, alguém a puxou para mais uma vez cumprimentá-la e ela se virou, quando retornou, o elfo já tinha ido com ela inteira e ali naquele local deixado só o resto, a carcaça, e ela passou a viver sem ela mesma, só carcaça, não mais se alimentava, não mais estudava, não mais visitava seus autores preferidos, procurava desesperadamente pelo elfo em todos os lugares e ele aparecia-lhe em sonhos às vezes, ameaçava devolver-lhe o que havia levado, dava-lhe pequenas migalhas de sua presença e ela aceitava como sendo um grande banquete, e ela perguntava por que ele viera, e ele não dizia, somente sorria, ameaçava uma carícia e depois desaparecia, outras vezes lhe mostrava cenas dele com ela mesma em outros lugares, em outras cenas, e aquilo lhe deixava mais desesperada, queria viver aquilo com ele, e ela sentia que ele gostava de vê-la naquele desespero quase orgástico, e ela perguntava ao elfo se ele a amava, ou a desejava, e ele sorria, e acenava, e ela rebatia dizendo que se não a amava, e nem a queria, por que viera, por que a levara, por que não a deixara em seu mundinho fechado em que ela acreditava ser incrível, em que diziam que ela era incrível, mas não, ele não explicou e não explica, e Arturo contou a ela que agora o elfo talvez não apareça mais em seus sonhos, e ela se pergunta como ele pôde ir assim sem devolver o que levou dela, sem desfazer a tempestade, sem restabelecê-la do caos, sem explicar o que houve, por que veio, por que não ficou, por que não fica, e ela se pergunta, mas isso Bandini não sabe responder, ele é só um escritor ridículo e fracassado, cópia barata de um personagem de Fante, e que só pensa em elfos, só isso.

(Adriana Luz)

Adriana Luz
Enviado por Adriana Luz em 25/01/2007
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