ESTORINHA
(verídica n° 3)
 
 
Sempre que a inspiração me deixa - essa bandida - declaro, desavergonhadamente, que me valho do  opúsculo  em que narro as experiências vividas no meu tempo de servidor (não corrupto). São temas verídicos, aos quais, na veleidade de me considerar "escritor", dei pálidos toques coloridos.
A que narro a seguir tem a mim mesmo como personagem e é tão real quanto um pôr de sol, com muito menos beleza, é claro.
Na condição de Diretor e com a bendita aposentadoria já despontando no horizonte, não sei se por puro masoquismo, me deu na telha arguir o setor de pessoal quanto à perspectiva do que teria direito a levar, como proventos, quando tal fato ocorresse.
O então diretor do setor, amigo particular, meio doido como todos os que enfrentam o cipoal de leis que envolve  sua área, endeusado ou vilipendiado pelo pessoal, segundo sejam satisfeitas ou não suas reivindicações, era o protótipo do excêntrico e era conhecido por sua incapacidade de combinar as cores de seu vestuário. Diziam as más línguas que ele, simplesmente, abria a gaveta do seu armário e pegava ,aleatoriamente, as peças.  O resultado, perfeitamente visível,
era aquela policromia que causava as delícias de todos.  Mas era um advogado de primeira e dotado de QI bem acima da média, o que, pra mim, explica tudo.
 
É fato notório que, em cada ramo profissional, há um jargão próprio, vetado aos "leigos", mas a advocacia leva a palma de ouro no particular.  Primeiro são as citações em latim, sem o que o parecer não vai parecer nada!  O pior é que a mania pega  e você não deve estranhar se esbarrar num despacho de almoxarife (nada contra) contendo um "data vênia"ou um”ad referendum”!
Conheci um Procurador que, em seus pareceres, fazia citações, no mínimo, em três línguas!
Depois, vêm as palavras esdrúxulas, evidentemente ou catadas nos dicionários ou já constantes em tomos próprios da categoria pra facilitar as coisas, como, por exemplo, os dicionários de rimas.
 
Segue o meu processo funcional, com a malfadada indagação e retorna com o entendimento legal do departamento de pessoal, iniciado com o cuidadoso despacho do nosso querido amigo: "Trata-se de mera expectativa de direito", escudava-se ele.
 
Em seguida vinha uma verdadeira pérola da mais pura hermenêutica, praticada, com certeza, por um estagiário ou bacharel em Direito:
                       “Despiciendo seria perquirir-se...”
 
Achando tratar-se de língua estranha, acrescentei ao meu despacho; " Como não entendi o prólogo, desinteressei-me pelo epílogo".   E meti o processo no fundo da minha gaveta!
 
paulo rego
Enviado por paulo rego em 02/04/2012
Código do texto: T3590439