O gol contra da verdade

Acostumamos com a ideia da necessidade de harmonia, sobretudo na música, decoração de ambientes, nas vestes... Mas, quero avaliar sua necessidade entre verdade e propósito.

Algo deslocado de seu coerente espaço, acaba maculando o próprio valor. Salomão ensinou: “Como jóia de ouro no focinho de uma porca, assim é a mulher formosa que não tem discrição.” Pv 11; 22

Não pretendo discorrer sobre a beleza nem o bom siso feminino, antes, sobre a necessária harmonia entre os valores propostos.

Às vezes alguém diz uma tremenda barbaridade, e, em defesa disso, objeta que é sincero, costuma falar o que pensa; certo, sinceridade é uma qualidade apreciável, todavia, nesse caso, se perde nas brumas de um pensar de má qualidade.

Recorro de novo ao Sábio: “Até o tolo, quando se cala, é reputado por sábio; e o que cerra os seus lábios é tido por entendido.” Pv 17; 28

Também destoa a verdade, quando advoga um pleito individual, num arcabouço coletivo. Por exemplo, alguém clamar contra os descaminhos políticos e sociais, propor medidas saneadoras ou profiláticas, e, outrem apor a fábula do beija-flor que, por ocasião do incêndio da floresta, levava uma gotícula d’água em seu bico, afirmando que fazia sua parte.

Embora seja moralmente belo, um frágil fazer o que pode em em face de um grande mal, não é a atuação ou o valor do beija-flor que estão em apreço, mas, o estrago do incêndio.

Nesse caso, o “estou fazendo minha parte” soa mais a um pára-te-quieto, que a outra coisa qualquer; a lição moral da fábula se perde, pois, não sobressai a beleza de um pássaro na revoada de um bando.

Também se pode ver danos da verdade, quando obra a robotização funcional, tendo como efeito colateral, a supressão do ser humano.

Circula na Net um e-mail com “dicas” de Bill Gates que teria feito em um colégio, um discurso de cinco minutos, sendo aplaudido por mais tempo que discursou, e depois foi embora em seu helicóptero particular.

Seus toques, basicamente aludiam a dureza da vida real, a necessidade de esforço, disciplina e estudo, para, quem sabe um dia, sendo um CDF como ele, tornar-se milionário.

Ora, nada contra estudo, disciplina, preparo, têmpera; mas, contra a ideia que o sentido da vida seja, dinheiro, sucesso, helicópteros ou coisas assim. Dado o tempo que foi aplaudido, percebe-se que esse ideal, permeia o imaginário de nossa geração.

A meu ver, suas dicas não passam de um conjunto de softwares, para programar Microminds, robôs, sem alma, com alvo duvidoso.

De novo recorro a Saint-Exupéry que, há quase um século já depreciava a robotização do homem.

“… ninguém fez com que te evadisses, e não és responsável por isso. Construíste tua paz tapando com cimento, como fazem as térmitas, (cupins) todas as saídas para a luz. Ficaste enroscado em tua segurança burguesa, em tuas rotinas, nos ritos sufocantes de tua vida provinciana; ergueste essa humilde proteção contra os ventos, as marés e as estrelas.

Não queres te inquietar com os grandes problemas e fizestes um grande esforço para esquecer a tua condição de homem. Não és o habitante de um planeta errante, e não lanças perguntas sem solução: és um pequeno-burguês de Toulouse.

Ninguém te sacudiu pelos ombros quando ainda era tempo. Agora, a argila de que és feito já secou, endureceu, e nada mais poderá despertar em ti, o músico adormecido, o poeta, ou o astrônomo que talvez te habitassem…

E há muitos homens assim, dormindo sem que ninguém os desperte. Hoje, apenas uma máquina de cavar e de martelar. O mistério está nisso: eles se terem tornado esses montes de barro. Por que terrível molde terão passado, por, que estranha máquina de entortar homens?”.

Até conceitos verdadeiros, pois, desprovidos de propósito, servem de combustível a essa famigerada máquina.