Por onde anda a inocência?

Crônica publicada na revista eletrônica "Crônicas Cariocas" - site da revista: www.cronicascariocas.com.br

Dia desses, eu estava debruçado na janela de casa vendo a vida passar, literalmente, mas não a minha, e sim, a dos outros. Eis que, entre esses “outros”, surgem três meninas adolescentes, com no máximo catorze anos cada. Uma delas, dirigindo-se às amigas, disse o seguinte:

- Vocês acreditam que ela ficou uma hora dentro do quarto junto com o carinha e não fez nada?!

Provavelmente a “outra” tinha mais ou menos a mesma idade que elas. Não sei dizer exatamente o que senti quando ouvi aquilo, talvez um misto de perplexidade, pena, constrangimento. Sei com certeza, que naquele exato instante me recordei dos meus doze ou treze anos, quando dei o primeiro beijo na boca – beijo mesmo, pra valer – e fui pra casa, preocupado se não tinha ficado um restinho de batom em meus lábios que pudesse denunciar tamanha ousadia de minha parte. Afinal, jamais teria coragem de dizer à minha mãe que eu havia beijado uma garota. E como era gostosa aquela expectativa por encontrar a menina que te olhava de um jeito diferente na escola. Ir para um canto mais escuro da praça e torcer para que não fossemos vistos. Não porque queríamos fazer algo demais, acho que isso nem passava por nossas cabeças inocentes – se passava, fingíamos não perceber, e certamente pedíamos perdão a Deus na missa de sábado à tarde por ter tido pensamentos tão pecaminosos – mas, com medo de ouvir algum comentário por parte de um adulto, do tipo:

- Nossa! Olha só, duas crianças namorando.

Esses comentários nos deixavam cheios de vergonha. Vergonha e timidez que parecem ter desaparecido de vez. Não quero ser anacrônico, mas eram tempos em que, depois da infância, vinha a pré-adolescência. Hoje, essa fase não existe mais, larga-se a boneca ou o carrinho e, pronto, já virou adolescente, com uma vontade danada de ser adulto, até que se dão conta – em alguns casos, infelizmente através de um grande problema, como por exemplo, uma paternidade precoce – de que ser adulto não é brincadeira, nem coisa fácil.

Tenho saudades sim, da inocência dos meus tempos de criança, em que era impossível imaginar que um casal de jovens namorados pudesse ficar sozinho dentro de um quarto. Lembro-me de um carnaval, lá pelo ano de 1985, quando passei os quatro dias de folia torcendo pra que chegasse a hora de ir pra matinê e, finalmente, encontrar com a garota pela qual eu estava apaixonado. Meu maior desejo era poder dançar algumas marchinhas de mãos dadas com ela. Ficávamos assim, não por uma hora, mas por três ou quatro, ali, apenas de mãos dadas e dançando. No último dia de folia, disse todo sorridente pra minha mãe que aquele havia sido um grande carnaval.

Elano Ribeiro Baptista

Janeiro de 2007.

Elano Ribeiro
Enviado por Elano Ribeiro em 26/01/2007
Reeditado em 26/01/2007
Código do texto: T359787