DOCE DE ABÓBORA

“Saibamos deixar um no outro,uma saudade que faz bem”,assim diz a canção do padre Zézinho.

Tarde de sábado, (e tardes de sábado,por alguma razão que desconheço,costumam ser nostálgicas)estou no estacionamento de um supermercado próximo de onde moro.O auxiliar de caixa,menino ainda,num indisfarçável cansaço,empurra o carrinho com algumas compras que fiz.Abro o porta malas do carro enquanto lhe espero,dou uma bocejada e libero aquela minha “ cara de paisagem “ à rastelar a outra paisagem ao meu redor.
Debruçado sobre os pegadores do carrinho,surge a  figura  do  auxiliar  de caixa.A presença meio sonolenta do garoto espia para o chão como à quem procura algo perdido.As pequenas rodas provocam no piso , um ruído estridente,repetitivo. Feito o corcunda de Notre Dame ele desafia o amplo espaço do estacionamento onde poucos automóveis aguardam pacientes à sombra de  palmeiras  e  acácias.
Aproxima-se e,calado,vai acomodando cuidadosamente os volumes que conduziu.Desfaço-me da “cara de paisagem” no instante exato em que lhe agradeço.
Êle  retoma o  caminho de volta,ostentando agora  uma certa altivez.Forçosa,é claro! Bato a tampa do porta malas preservando nas  retinas ,duas imagens:Do alquebrado jovem condutor de carrinhos e daquela casa na esquina.

Ainda que a visualise com certa frequência,a  percepção de agora carrega um certo “quê”,de nostalgia.Ocorrem-me  as  lembranças e...
De repente me dou conta de há quanto tempo não mais circulo por aqueles compartimentos,dos tantos momentos alegres por ali vividos...
Como num filme algumas cenas muito marcantes vão sendo revividas.Aquelas escadas...o vigor da juventude extravasado no grupo de amigos que  ali reunia-se  traçando cronogramas para as festinhas de sábados à noite,os saraus,os passeios,e toda sorte de futilidades que norteavam nossas alegres e descompromissadas existências.
A decisão da copa de 70 e a emoção festejada à  sua  frente,quando ainda uma outra coloração  lhe  revestia  as paredes,e nós,entoávamos o refrão:”Eu te amo,meu Brasil,eu te amo!” sem a menor noção de que todo aquêle ufanismo empanava um cenário negro na  política de nosso País.
Cadeiras espalhadas pela calçada...Avó,tias e primos em animados bate papos,foram  sempre  lugares  comuns.
Tudo acontecia ali,na casa de tia Nena. Terna,carinhosa,gentil...Tinha sempre “um agradinho” reservado  à quem chegava.Fazia bolos deliciosos,com coberturas caprichadas , servidos naquela cozinha ampla onde a mesa circundava-se de caras animadas, risos e alegria.
Como o tempo é um mesquinho senhor dos destinos! Submissos à  êle,deixamo-nos escravisar por obrigações e compromissos e vamos nos distanciando aos poucos dos preâmbulos em nossos roteiros de  vida e quando menos  se  espera somos surpreendidos com partidas de personagens marcantes em  nossas histórias.
Agora,com  olhar  divagante nas formas coloridas daquela casa,retomei a imagem da moradora que empreendera  viagem.O tom quente das paredes,naquela  cor  laranjado berrante, instigando algo doce,lembra-me doce de abóbora. Cremoso!
Daqueles que cheiram à cravo da  Índia.E tia Nena,fora  sempre  uma  açucarada presença.Deliciosamente doce,feito “doce de abóbora”.Alguém que,a exemplo da canção do  padre,soube deixar  saudade..Uma saudade daquelas  que faz bem.