Bacalhau (não) é peixe





 
Bacalhau (não) é peixe é a manchete da capa do caderno Comida, da Folha de São Paulo, do último dia 4. E explica: para os portugueses, o prato da Semana Santa não é carne nem pescado, é apenas bacalhau. Para mim que não como peixe, nem sob a ameaça de tortura, foi um alívio saber que estou em boa companhia – eu adoro bacalhau e sardinha em lata e certamente foi uma grande surpresa para mim, quando ainda menina descobri que bacalhau é peixe. E sardinha também.

Já tentei entender essas minhas incoerências, mas as explicações que me dou não me convencem. Passam pela crença de que o Paladar é formado na infância e nessa fase de minha vida eu não comia peixe de espécie nenhuma, simplesmente porque não tinha. Mas sempre tinha bacalhau na Semana Santa e sardinha todos os dias, se quiséssemos.

Ontem fiz bacalhau para o almoço. Nenhuma receita sofisticada, apenas o bacalhau que minha mãe faz há anos – com muita batata, azeite e azeitonas pretas. Nada de experimentação, só o sabor da infância revivido anualmente. Mas bacalhau hoje é um prato que podemos comer o ano todo e é para essas ocasiões que guardo as inovações.

Se existe uma coisa da qual tenho pavor é comer peixe. Se me forçarem sou capaz de entrar em pânico e estragar o apetite de todos. Quando viajo para o nordeste passo apertada, mas acabo dando um jeito. Aqui em   Lavras quando vou ao Restaurante do Roberto, que dizem ser o melhor peixe da cidade, vou porque o arroz de lá é divino. Como arroz com tomates azeitados e batatas fritas. Como arroz puro se for preciso, mas peixes e outras coisinhas do mar não. Camarão, siri, lagosta, lula não fazem parte da minha vida.

Certa vez em Lisboa, no magnífico Tiara Hotel, quando avisados que eu não comia peixe me serviram um prato que disseram ser especial – Vitela. Foi pior – não consegui comer porque só de pensar nas torturas pelos quais passam aqueles animaizinhos meu estômago revirou. O mesmo aconteceu em Paris, onde não consegui comer o foie grãs, tão sofisticado e decantado.


Bacalhau não é peixe é o que dizem os portugueses e por isso deve-se comer acompanhado de vinho tinto o que faz supor que peixe se come acompanhado de vinho branco. Entrevistando um vendedor de bacalhau no Mercado Central em São Paulo um repórter perguntou-lhe sobre o vinho que deveria acompanhar o bacalhau e a resposta veio direta: o vinho que a pessoa gostar, o que achei ótimo e me fez lembrar minha amiga contando indignada: Adorei Portugal, mas os portugueses são mal educados. Imagine que meu filho perguntou ao dono de um bar se podia beber a cerveja do lado de fora e o cara respondeu – beba onde quiser, a cerveja é sua.

As histórias sobre bacalhau são inúmeras e interessantes, atravessando os tempos.  Ainda espero comer muito bacalhau pela vida afora. Quando vou a São Paulo não abro mão do pastel de bacalhau do Mercado, mas duvido que um dia eu consiga comer pirarucu, que é conhecido como o bacalhau do Amazonas.



 




Bacalhau não é peixe, dizem os portugueses que o introduziram na alimentação já na época das Grandes Navegações e eu digo também e está aí a Wikipédia que não me deixa mentir. Bacalhau é o nome dado ao processo de salga e dessalga pelos quais passam algumas espécies das quais as mais conhecidas são a gadus morhua, superior a todas e que é encontrada nas águas frias do Atlântico (Noruega e Canadá). Também de qualidade superior está a gadus macrocephalus, que vive nas águas frias do Pacífico (Alasca). As mais comuns e, portanto mais baratinhas são a saith, a ling (que comi ontem) e a zarbo. E mais não sei sobre bacalhau só que hoje vou comê-lo também, inventando a partir das sobras.