A morbidez e a mídia e vice-versa

Tentei assistir às repetitivas retrospectivas do ano em algumas redes de TV, mas não havia balde que chegasse para recolher o sangue e as lágrimas escorridos do aparelho. A maioria dos jornais também pingava. Quer saber o que é uma hecatombe? 2011 foi. Ensaio para o Apocalipse? 2011. E cada ano é a mesma coisa.

O oferecimento de desgraças é totalmente proporcional à sede por vê-las escancaradas. Mesmo que machuque, mesmo que injustamente, essa simbiose mórbida move câmeras, microfones, teclados, rotativas. Há pouco tempo, os jornalistas Marco Schettert e Salvador Neto lançaram “Nas Teias da Mídia”, um livro analisando o caso do “Maníaco da Bicicleta”, em Joinville, onde um cidadão humilde e inocente foi apresentado como culpado de uma série de estupros no Centro da cidade, por uma polícia que agiu de forma completamente incompetente. Imediatamente foi condenado pela mídia, que de forma irresponsável na busca de audiência e aumento de circulação, escancarou seu retrato falado (falso, só para esclarecer) com estardalhaço. Nada do que se faça vai reconstruir a família destruída para sempre.

Sou apaixonado por jornal e faz um tempo, sugeri à mídia joinvilense uma reportagem sobre os jacatirões que, na época, estavam esplendorosos em sua florada, formando um portal de boas vindas a quem chegava em cima da Serra Dona Francisca. O assunto não interessou e, uns dez dias depois, uma tempestade derrubou quase todas as flores. Nesses dez dias, foram noticiados uns cinco assassinatos, mais de quinze acidentes, alguns com mortes, bom número de assaltos, e publicada uma fotografia do Sarney. Poderiam, ao menos, ter falado de flores, mesmo que fossem das eventualmente deixadas em cima dos túmulos.

Por que essa busca da sangue para satisfazer instintos? Quantos acidentes acontecem nas estradas apenas porque os motoristas param sem aviso para ver as consequências de uma desgraça já acontecida? Por que sempre há um grupo de pessoas ao redor de um cadáver na rua? Por que parece haver uma espécie de acordo entre boa parte da imprensa e o vampirismo do público?