Como vai a criança que fomos?

Esse poderia ter sido o título dado ao filme “Duas Vidas”, cujo original é “Kid” que, na língua inglesa, significa menino, garoto, criança.

A sugestão de alteração do título se deve ao fato de tentar melhor caracterizar a riqueza do conteúdo, da temática do filme.

O filme, fruto da semeadura de Walt Disney e dirigido por John Turtelaub,nos dá a oportunidade de refletirmos sobre a possibilidade de convivermos com nossa versão criança e, dessa convivência, perceber como vai a criança que fomos e como o adulto que somos embala, na rede de sua maior intimidade, essa criança que, queiramos ou não, nos acompanhará pela vida.

Assim como o filme é fruto da semeadura de Walt Disney, nossa vida adulta é fruto de nossa infância, puberdade, adolescência e juventude. Conversarmos com essas versões sementes é a sugestão do filme.

O tema do filme é centralizado em duas personagens: o quarentão Russ Duritz (Bruce Willis) e o infante Rusty magnificamente interpretado por Spencer Breslin.

A bem sucedida vida de Russ, no aspecto profissional e material sofre grande impacto quando, de maneira inesperada e , até certo ponto mágica, Russ encontra Rusty, ele mesmo aos oito anos.

O filme é muito rico e quem for assisti-lo deve levar suas ferramentas de prospecção para retirar material precioso. São tantas as cenas e diálogos importantes que se fosse descrevê-los teria que praticamente narrar o filme inteiro.

Entretanto, julgo da maior importância destacar alguns questionamentos ou afirmativas e a grande pista do filme, que é um cacoete do Russ: repuxar a bochecha e piscar o olho do lado esquerdo do rosto.

Russ ,sentindo-se muito incomodado com o mágico encontro com Rusty indaga: por que você veio aqui?

Russ, acompanhado de sua assistente, presencia Rusty levantar a camisa e coçar sua barriguinha de criança obesa, e Russ exclama: tenho vergonha! Quando olho para ele tenho lembranças terríveis. Tenho passado a maior parte da vida tentando esquecer...

Rusty pergunta a Russ o que serei quando crescer e, depois de entender, retruca decepcionado, porque seus sonhos não foram realizados, ainda.

Rusty pergunta a Russ quando foi que ganhara o cacoete e. Como Russ não sabe responder, pede ajuda a Rusty sobre seu passado.

Os dois saem para essa trilha do passado e descobrem que o cacoete começara ao completar nove anos, após briga na escola em defesa de cachorrinho que só tinha três patinhas – o Tripé.

O diretor da escola o leva para a sala da diretoria e chama seus pais. O pai estava trabalhando e a mãe, apesar de doente e acamada, comparece e pede para que Rusty não seja castigado, pois é dia de seu aniversário.

Quando Rusty e a mãe retornam a casa o pai também estava voltando do trabalho e o acusa de estar matando a mãe. O cacoete foi a marca do trauma da terrível acusação, como lembrança de seu aniversário de nove anos.

Logo no início do filme, Russ é caracterizado como rabugento, grosseiro e frio. Afastara-se de seu pai e de seus familiares. Vivia exclusivamente para o trabalho.Entretanto, na cena do trauma vem o lampejo da compreensão e o consequente perdão. Russ aproxima-se de Rusty o abraça e lhe diz: papai disse isso por medo e insegurança de ter que cuidar de ti sozinho.

No esoterismo existe o conceito de estrutura oculta do homem. Afirmam, que somos a concretização em curso do Arquétipo Divino, constituído de sete princípios. Entre esses princípios encontram-se o emocional e o mental inferior. O homem voltará à Casa do Pai, quando completar a evolução desses sete princípios.

Rusty representa o emocional e Russ o racional. O encontro entre Rusty e Russ representa o emocional, ainda não desenvolvido, clamando por ajuda do racional . Por outro lado, ajuda tal, que não submetesse a ternura e os sonhos de Rusty à rotina materialista de Russ.

Sinto que, apesar de meu grande esforço, estou cheio de dúvidas se consegui levar, pelo menos em parte, as preciosidades recolhidas ao assistir ao filme. Por isso, antes de concluirmos, vamos citar dois pensamentos, que julgo fortalecerem a temática do filme.

Gonzaguinha em uma de suas belas composições “O que é, o que é?” afirma com seu canto: “eu fico com a pureza das crianças...”

José Saramago, escritor, poeta e humanista, dentre seus sábios pensamentos, nos deixou: “quero é recuperar, saber e reinventar a criança que fui”.

Nosso entendimento é que emocional e racional desenvolvem-se, até certo ponto, cada um por si. Ou seja podemos encontrar pessoas com seu racional bastante desenvolvido, mas crianças no emocional e vice versa.

Julgo que só encontraremos a harmonia de viver, quando nossas versões: criança, com sua pureza; adolescente com sua desobediência; jovem com seus sonhos; homens maduros com sua capacidade de realizar; e os experientes, conscientes de sua existência,, reconhecerem-se ,dialogarem. e, como Rusty e Russ ensinam no filme, de mãos dadas, brincarem de roda, para celebrar a alegria de viver.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 09/04/2012
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