VIVA ELIS!

Uma vez, a mulher de um pianista, ambos meus amigos desde a juventude me disse que estava decepcionada com a Elis do tempo do Beco das Garrafas. Eles, amigos desde adolescentes, foram visitá-la em São Paulo tempo em que moravam por lá. Foram tratados com frieza, com certo desprezo até. Meio as pressas, meio correndo, daquele jeito que se tem vontade de virar um pote de merda. A Elis foi apelidada de “Pimentinha!”, pelo Vinícius de Moraes; o poeta sabia com quem lidava! A Elis cantora é reconhecidamente uma das melhores “desçepaiz”; entre outras 100, pelo menos, é verdade. Temos gente boa à beça! Eu não a tenho entre as cantoras que mais me “tocam”, embora destaque duas primorosas apresentações: cantando “Atrás da Porta”(é esse mesmo o nome?) do Chico Buarque, com Cesar Camargo Mariano, ali no piano, seu ex-marido. Foi e é até hoje comovente. A segunda interpretação, essa mais alegre, mais solta e ela extremamente simpática é “Águas de Março” do Tom Jobim e com ele cantando e tocando flauta. Elis dos tempos do “Arrastão”, com cabelo estufado de Bom Bril e quase alçando voo com seus braços em forma de pás giratórias de helicóptero, não me diz nada; nem nunca disse. Reconheço, evidente, seus méritos e seu destacado talento; mas quem sou eu pra achar isso ou aquilo? Apenas gosto ou não gosto de parte do seu repertório; parte do que sei e conheço. Mas sei também de seu comportamento agressivo, cínico muitas vezes, temperamental e outros tecos que gente muito famosa geralmente costuma ter; nada de novo! Famosos e excêntricos é o que não falta mundo a fora. Scrooge McDuck, para nós apenas Tio Patinhas, nada em moedas de ouro. Bruce Wayne, dono de uma fortuna incalculável, passa as noites fantasiado de morcego protegendo Gothan City. O senhor Alexander Joseph “Lex” Luthor, presidente da poderosa Lex Corp, só trata de desenvolver uma poderosa arma de destruição em massa enquanto estuda um meteorito verde pra acabar com o Superman que quando não está cuidando da humanidade tem como hobby ser jornalista. Numa ilha tropical o Dr. Moreau um brilhante cientista criado por H.G.Wells quer transformar animais em homens através de cirurgias e da hipnose a fim de recriar a raça humana. A ficção está repleta dessas figuras, assim como na vida real. Na Rússia que se tornou mais corrupta do que Brasil em tempos recentes depois que o Gorbachev acabou com a União Soviética metendo uma Perestroica no povo, um desses milionários cobriu seu Porsche 911 Cabriole com folhas de ouro. Quando dirigia caminhões pelas estradas do Mississipi Elvis Garon sonhava com a fama. Depois de muita estrada tornou-se o Rei do Rock trocando o nome e o caminhão por mais de 40 Cadillacs, alem, de alguns Roll Royces, BMWs, Ferraris e outros automóveis deslumbrantes. Por aqui, por essas bandas brasilinas, também temos nossos excêntricos, alguns milionários outros nem tanto. Temos, pois desde quem coloca e fotografa carrões importados na sala – ou seria, no caso, living room? – aos que fecham boates para uma festinha intima e no dia seguinte tropeça numa bola que misteriosamente torna-se quadrada. Temos excêntricos exibicionistas empunhando armas assustadoras, piscinas em barracos triplex, armários com 200 pares de sapatos; temos ex-operários fumantes de caríssimos e deliciosos Montecristo, mas acompanhando as baforadas com goles de prosaica cachacinha. Sem contar com aqueles que exigem 3000 toalhas brancas no camarim e garrafas de água vindas de Paris. Temos excêntricos mais simples para quem basta um banquinho, um violão e silêncio cósmico na plateia. Excêntricos e atrevidos muitas vezes se confundem, e há quem coinfunda certa sofisticação com pouco caso. Com aquele jeito “nonchalance” de ser com tudo e com todos. Porto-alegrense não gosta da Elis. Nem todos, com certeza. Não gosta porque ela tinha sotaque, chiava seu carioquês a la Xuxa – que é outra gaucha nascida em Santa Rosa – desprezava a imprensa provinciana e outras coisas mais. O espetáculo da Maria Rita filha dela cantando o repertório da mãe em Porto Alegre não foi o que pareceu, ou pretendeu. Não basta o mesmo DNA para reproduzir talento ancestral. Que digam os filhos de Roberto Carlos, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Pelé, Frank Sinatra, Picasso, Chaplin, Brizola, John Lenon...é a regra. E para confirmá-la as exceções Liza Minelli, Peri Ribeiro, Bruno Mazeo...O show não foi o que fez parecer ser alguns colunistas, jornais, TVs, blogues e as ditas redes sociais – um presente exclusivo a aniversariante cidade. Esteve entre dezenas de outros que aconteceram durante a Semana de Porto Alegre - é de uma turnê do Projeto Viva Elis, patrocinado pela Nívea pelas principais capitais brasilinas, entre elas Porto Alegre, pelo óbvio motivo, coincidindo com o aniversário de quase um quarto de século da minha açoriana cidade. Também dita “Mui leal e valerosa” por Dom Pedro porque resistiu aos Farrapos que queriam tomá-la vindos (ou indo) da Azenha à Praça do Portão, que fechado a guardava. Acho que a Semana Farroupilha não deveria ser festejada em Porto Alegre, mas, sim, em Rio Pardo. Seria mais coerente com a história.

De volta a Elis. Porto-alegrense não gosta muito dela. Uma das cantoras/interpretes mais reverenciadas do Brasil, não o é em sua cidade natal, onde sequer há uma rua, ou uma praça, ou uma “sala” ou uma sei lá o que. Penso que somente os porto-alegrenses que não moram há muito na cidade de um dos mais belos “por do sol” que já vi, e vejo outros tão belos diariamente como esse aqui sobre os “verdes mares” fortalezense. “adoram” Elis Regina, pois não se ofendem com sotaques não gaudérios. Desculpem os que estão exumando-se com as apresentações da filhota dela. Será ela a reencarnação na mãe? Hummmm! Acho que não. Melhor do que a mãe? Nem pensar!!! Chô!

Mas o jornal Zero Hora, ufanista, com o coruscante texto da repórter Patrícia Rocha, termina a matéria assim: “O público escutou, reverente (!!), canções como Imagem, Vida de Bailarina, Bolero de Satã e Menino, e cantou junto, animado, Águas de Março com direito(?) a bolhas de sabão disparadas(?) do palco e da plateia), Saudosa Maloca (com balões azuis subindo ao céu(!)), Me Deixas Louca e Alô Alô Marciano. O coro se fez (báh) ainda mais alto em O Bêbado e a Equilibrista, quando Maria Rita lembrou como a mãe emprestou sua voz a canções como esta, em defesa(!!!!????!!!) dos direitos civis em tempos de ditadura. Então, foi interrompida pelo público com palmas e gritos de “Elis”, que a filha recebeu no palco, de braços abertos(!!). Ao fim, a dona de casa Marta Ambrosini, 56 anos, que nunca teve a chance de ver Elis no palco, comentou com o marido e as filhas:

– “A Pimentinha deve ter baixado por aqui.”

Pois é evidente que dona Marta nunca tenha visto Elis no palco em POA! Só na TV... é claro.

Viva Elis, porém, e viva também eu e viva tu. E viva o rabo do tatu.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 10/04/2012
Código do texto: T3604351
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