O "jeitão" brasileiro

Convencionou-se chamar pequenas malandragens, quando não, safadezas, de “jeitinho brasileiro”; algo inocente e belo, como acharia uma mãe imprudente ao ver seu infante contrariado, chutar à canela do pai.

– Que bonitinho, tem personalidade forte.

Assim, como o “jeitinho” está apenas começando caminhar, é sempre bonitinho, faça a droga que fizer. Depois de “canonizado” o mau hábito, como convencer que o tal é profano?

Ontem, fui a uma agência lotérica pagar meu telefone, havia uma fila de umas quinze pessoas, coisa rápida, dado que estavam atendendo três guichês. Dois normais, e um preferencial, para idosos, deficientes, gestantes, ou com bebês no colo.

Então chegou um casal aparentando uns trinta anos e uma mulher de idade semelhante, com uma criança de colo. O casal fez sua “fezinha” e entregou para a mamãe, que fez o jogo sem enfrentar a fila.

Ora, seria o caso dela ter ficado assentada num dos bancos que havia no ambiente e o “cavalheiro” encarar a fila, que não demorou sete minutos. Mas, o “jeitinho” precisava por suas digitais.

Durante a aposta, a segunda mulher chegou junto ao guichê e pediu a aquisição de umas “raspadinhas”. Fiquei pensando, em caso de filas maiores, por que não, “alugar” o bebê, para pessoas que não gostam de fila? Daria para ganhar a vida...

Outro dia fiz um escândalo ao ver um “idoso” bem jovem e saudável, passar por nós, e ir ao guichê preferencial. Notei que o maluco era eu, afinal nem as atendentes nem os enfileirados se solidarizaram com minha indignação, de modo que terei que rever minha cidadania, bem como meu conceito de idoso.

O que quero enfatizar, porém, é que assim como as coisas biológicas tendem a crescer, as psicológicas também, caso falte um elemento que restrinja.

No Caso da Bíblia, o Senhor ensina que, princípios são mais relevantes que quantidade. “Quem é fiel no pouco, também o é no muito” do mesmo modo, o infiel. Vemos que o que não conta o pouco, ou o muito, mas, o princípio da fidelidade.

Às vezes nos falta esse pente fino, embora vociferamos quando o “jeitinho” vira jeitão.

Ontem o Jornal Nacional veiculou o caso das diárias dos deputados do Amapá, que recebem 2600 reais, por uma visita ao interior do estado. Comem marisco e arrotam caviar. Vão a corruptópolis, e cobram como se tivessem ido a Jerusalém.

Claro que a defesa de certos valores soa feio, na terra de jeitolândia, quem suportaria a pecha de moralista. Trata-se apenas de coerência, de rejeitar ao erro em todos os níveis.

O presidente da Assembleia entrevistado, disse que está tudo no site “transparência” como se essa qualidade eliminasse a indecência. Uma mulher entrevistada disse que está correndo atrás de um salário mínimo via trabalho e não consegue, enquanto aqueles fazem isso com o erário.

O sonho de “consumo” da imensa maioria da população é um emprego público, afinal, seu Brasil paga bem, e dá estabilidade. Nesse caso, porém, existe o mérito, as pessoas são concursadas. O problema é quando paga muito bem a esses pulhas safados, que, deveriam, em nome da coerência, deixar seus empregados legislarem sobre os próprios salários, bem como as condições de trabalho.

Enquanto envelhecemos na fila do trabalho, quando não, do desemprego, eles passam de largo, afinal, carregam gêmeos em seus braços. De um lado a indecência, de outro a corrupção.

“É inacreditável a incoerência da vida com as verdades ditas por poetas que acreditam que exista a forma certa!”

Conrado Iglésias