Aniversários inesquecíveis

 

Eram vários ao longo do ano, de parentes e amigos, mas cinco guardo bem na memória. Dois no verão, um no outono, outro no inverno e o quinto no meio da primavera.

 

No verão, os dois em janeiro. Um da Florize, o outro da Rosely. As duas, minhas primas em segundo grau e em primeiro entre si. Regulávamos na idade porque na família sou temporão. Então, estou mais próximo dos filhos dos meus primos do que da maioria deles. No outono, em abril, a tia Zina. No inverno, em julho, a tia Frida. Na primavera, em novembro, a Anair, minha prima adotiva.

 

Ninguém precisava de convite. Era ir chegando. Quem podia, um presentinho nas mãos. Quase sempre, duas sessões: à tarde, para mulheres e crianças, e à noite, para os homens. Mais ou menos assim, mas valia misturar e trocar os turnos. Mulheres sem marido preferiam ir à tarde. Com marido, deixavam para acompanhar os respectivos à noite. Crianças, não muitas. Quase sempre, eu era o único varão entre as meninas. Elas mandavam, eu obedecia: agora você é o pai, depois o filho - nas brincadeiras de casinha e comidinha. E eu ia me revezando como dava.

 

Hoje, aniversários têm cerveja, refrigerantes, salgadinhos, docinhos, bolos, tortas, tudo comprado pronto. Naqueles, café com leite, docinhos, sanduichinhos, bolos, tortas, cuques de banana, de uva, de farofa doce. Tudo feito em casa. Até mesmo os canudinhos, moldados em forminhas de metal e fritos na véspera. No dia, o recheio: carne moída, palmito, maionese de verdade, bem amarelinha porque os ovos eram das galinhas do terreiro. Crocantes. Impossível disfarçar o crac crac ao mordê-los. Aniversário de criança também tinha gasosa. Framboesa, abacaxi, limão. Gengibirra.

 

Naqueles aniversários, homens de um lado, mulheres de outro. Crianças brincavam no quintal. Os homens formavam a roda para contar casos e causos e falar mal do governo e dos políticos, enquanto aguardavam sua vez para a mesa. Eram os últimos, por isso podiam esticar a conversa enquanto se fartavam.

 

Atualmente também é assim: homens de um lado, mulheres de outro. Só que os homens bebem cerveja enquanto papeiam. Muitas vezes, na frente da televisão. E continuam falando mal do governo e dos políticos. Casos e causos, muito poucos. Crianças jogam vídeo game ou brincam com o computador. Não tem mais a mesa, nem café com leite. Salgadinhos e docinhos ficam num canto ou na mesinha de centro. Alguém serve o bolo. Felizmente ainda se canta parabéns.

 

Todos os aniversários eram ótimos, mas eu adorava os da Florize. A casa dela ficava ao lado da casa da tia Frida e do tio Martin, avós dela e da Rosely. Não havia cerca nem muro separando uma da outra.

 

Sendo no verão, coincidia com a época das uvas. Nada mais bonito do que o parreiral do tio Martim. Saindo da porta da cozinha, descendo uma escada de poucos degraus, a gente ganhava um teto de uvas brancas, muito doces. Cachos grandes. Pisava-se na calçada de lousas quadradas. Tudo muito limpo e arrumado. O tio Martin era caprichoso.

 

Descendo o terreno, lá embaixo terminava-se no bambuzal. Na passagem, o galinheiro. Também um cercado com o veadinho que meu primo Oci, o filho solteirão do tio Martin e da tia Frida, arranjou não sei de onde - naquele tempo dava para ter qualquer bicho em casa. O Bambi parecia feliz no seu pedaço. Tinha espaço compatível e era tratado como gente. Segurança também, pois estava livre dos predadores naturais da espécie. Acho que nem sentia falta de uma namorada. Ou nem sabia o que era isso.

No quintal da casa da Florize o tanque de peixes vermelhos era uma atração à parte. Não uma lagoa de chácara, mas um reservatório de alvenaria. Grande para meus olhos de criança, assim como o parreiral do tio Martin. Era divertido apreciar o Dagoberto, pai da Florize, lançando comida na água. O cardume fazia uma festa danada. Da mesma forma que o tio Martin, seu sogro, o Dagoberto era muito zeloso. Além de ser uma das pessoas mais educadas que conheci. Homem de fino trato. Um perfeito cavalheiro, como se dizia naquela época.

 

Nos aniversários de duas sessões eu comparecia em dois tempos. De dia com minha mãe, para brincar. À noite com meu pai, porque gostava de bisbilhotar a conversa dos homens. Deliciava-me com as histórias de caçadas e pescarias. Causos de arrepiar sobre casas mal assombradas. Dos esperançosos ou malucos que caçavam tesouros, como o Tartaruga, um estofador do bairro, que comprou um detector de metais para procurar ouro. Saía em busca de tesouros perdidos, muitas vezes à noite, em sítios e chácaras suspeitas de assombração. Ele, como muita gente, acreditava que os espíritos não abandonavam os locais onde haviam escondido moedas e joias, quando encarnados, manifestando-se de várias formas para assombrar os intrusos. Em uma dessas caçadas, ao cavar para procurar o suposto tesouro que o aparelho sinalizara, perdeu a aliança. Desesperado, pediu socorro ao companheiro.

 

- Perdi o comprovante da mulher. Ajuda-me a encontrá-lo, não posso voltar sem ele.

 

Com lanternas e o aparelho, os dois gastaram o restante da noite até acharem a aliança. Outras vezes passavam horas cavando para encontrar uma ferradura ou um artefato qualquer, pois o aparelho sinalizava qualquer coisa de metal. Ouro mesmo nunca encontraram. Nem uma pepita sequer.

 

E assim os casos e causos iam-se sucedendo, entremeados de anedotas e piadas de salão, fazendo as horas voarem agradáveis. Ainda ouço as gargalhadas do Bel e do Dagoberto. Também a fala mansa do tio Martin contando suas histórias, repassando simpatias e remédios caseiros de que ouvira falar. O Lauro e o Oci, os mais gozadores da turma, divertindo-se com o que contavam dos presentes e ausentes. Sem deboche, narravam o que era pitoresco e engraçado. Divertimento sim, desrespeito nunca. Este era o lema implícito daquelas tertúlias, que ninguém precisava relembrar. Fazia parte.


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N. do A. - Na ilustração, Feliz Aniversário de Fernando Botero (Colômbia, 1932).

João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 10/04/2012
Reeditado em 23/11/2021
Código do texto: T3605034
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