A PORTA MÁGICA

Certo dia vindo para o trabalho parei num farol e quando olhei para o lado, na calçada havia uma menina, de mais ou menos 7 ou 8 anos, parada em frente a uma porta automática de um banco, maravilhada, enfeitiçada com o abre e fecha da engenhoca.

A porta era de vidro, abria e fechava através de algum sistema automatizado. Corria com leveza, paralela à parede, também de vidro, como num passe de mágica, a cada vez que alguém se aproximava.

A criança estava ali, inebriada, olhando o movimento elegante e pomposo do abre e fecha da porta, quase que alheio às pessoas que displicentemente entravam e saiam.

Quando o vai e vem de clientes deu uma brecha, com passos tímidos a menina se aproximou da porta tentando identificar qual era o segredo daquele imenso brinquedo.

Olhou, chegou mais perto, tocou o batente com cuidado, afastou-se, olhou de novo reparando minuciosamente nos detalhes, e a porta lá, impávida, inabalável. Tocou no vidro mais uma vez e nada. A garotinha lançou um olhar desconfiado por não ter feito a porta se mover e sem tirar os olhos do intrigante mecanismo retornou para o lado de uma mulher que aparentemente a acompanhava. O farol abriu e eu tive que ir embora.

Em meio ao trânsito de São Paulo fiquei pensando: o que será que passou pela cabeça daquela criança? Será que ela imaginou que as pessoas que entravam ou saíam tão facilmente por aquela porta detinham algum poder mágico?

Talvez ela tenha ficado desapontada por não ter conseguido fazer com que a porta fosse aberta quando se aproximou e tenha tentado adivinhar o motivo. Será que a tal porta tinha vontade própria?

Pode ser ainda que o brinquedo fosse só para adultos, ou talvez tenha quebrado com tanto abre e fecha. Também, todo mundo usando!!

Sabe-se lá o que ela pensou, mas essa cena me fez refletir sobre como o nosso olhar de criança é rico, vasto e generoso.

Por isso é tão bom ser criança. O mundo inteiro nos espera, tudo está ali à nossa disposição. Cada lugar fornece uma gama de descobertas incríveis, aprendemos milhares de coisas o tempo todo.

Não temos ainda “pré conceitos”, não temos opinião formada sobre quase nada, mas queremos saber de tudo, não temos muita noção de maldade, temos o olhar livre, sem vícios.

A grande maioria das pessoas nos dá atenção, nos entende, releva nossas falhas, nos ensina coisas legais.

Não nos falta companhia. Há sempre outras crianças por perto dispostas a brincar, criar, inventar, imaginar.

Somos admirados por qualquer proeza, temos o privilégio de obter reconhecimento sem despertar inveja ou ciúmes.

Ainda não temos mágoas, decepções ou tristezas guardadas no coração, por isso cabe mais gente nele.

Temos pouco medo e muita curiosidade.

Sonhamos, acreditamos, amamos mais e com mais intensidade. Somos mais verdadeiros, mais originais.

Partimos do princípio de que todo mundo é muito legal. Perdoamos fácil.

Isso tudo porque somos pura e genuinamente humanos. Depois a coisa vai entortando, é verdade, mas na primeira versão somos até que bem acabadinhos.

Enfim fiquei pensando que mesmo com a existência de tanta tecnologia, de tantos artifícios no mundo de hoje para acelerar o fim dessa fase da vida, ainda é possível encontrar a essência da infância, a inocência, em crianças da idade daquela garota. Que bom!