Viagem de ônibus

Viagem de ônibus

Mais de 40 e mal cuidada talvez a defina mais ou menos. A forma de se apresentar também não ajuda: bota pra lá de passada, um vestido plissado que já conheceu outros cuidados, o cabelo, que vai do grisalho misturado ao furta cor, amarrado num rabo de cavalo esdrúxulo e uma maquiagem descuidada compõe a figura. Acompanha-a uma criança de uns sete/oito anos.

Ao entrar no ônibus, dá a nítida impressão de falar com algum adulto, mas não é isso: fala com a criança, que não lhe dá a mínima bola. “Você vê, fui com a carta da Dilma em todos os partidos de Joinville e não me aceitaram como candidata. Só porque sou mulher. Agora vou pra Curitiba, minha Terra, vou no PT com a carta da Dilma. Lá vou ser deputada federal. Tenho que guardar a passagem pra mostrar pra Dilma, pra ela ver que tive aqui.” E continua, sempre se dirigindo ao menino: “Não, não é a carta original, tirei xerox. É o documento mais importante que tenho. Vou ser deputada. Não me aceitam porque sou mulher...” E ele longe, sonhando seus sonhos.

“Genivaldo não é cabra bão não; Genivaldo é safado, é ladrão, levou 20 relógio pra vendê e me deu o dinhêro não. Confia nele não.” Ouve-se no carro inteiro o vendedor de quinquilharias ao telefone. Vai longe a conversa, acompanhada involuntariamente por todos os passageiros. Muda de assunto: “Sonhei com Rita, num sabe? Êta mulé danada, se pego ela me acabo.” Talvez seja melhor terminar por aí, pode haver crianças lendo.

Na volta, vontade só de dormir. Poucos lugares; ao meu lado um rapaz escancarado, dono de seu banco, mais 50% do meu. Tento relaxar e ele me ajuda: passa a ouvir aquelas músicas com letras criativas e melodias originais ao celular. A cada acorde (acorde?), aumenta minha dor de cabeça.

Quase na rodoviária, e começa a levantação dos passageiros para pegar seus pertences. Na curva, uma mulher é projetada e quase faz um “strike” com o pessoal que está no corredor. Ufa, parou. Não adianta levantar, pois corre-se o risco de ser atropelado. Observo a pressa maluca que têm de sair do ônibus. Finalmente, saio e vejo quase todos esperando pela bagagem. A correria deve ter valido a pena!