“A Menina do Ponto de Ônibus.”

Desde muito cedo, por não ter posses, frequentei a comunidade “Maculelê”.

Só passei a existir porque aquele grande jogador o..., falando com o mestre Zuza, disse que queria fazer algo pela garotada. A princípio seriam afrodescendentes, talvez por falta de querer começar aceitaram crianças desde que comprovadamente pobres.

Eu era uma delas, recém-chegado do interior, sem conhecer nada e nem ter para onde ir, virei aluno que assiste às aulas disponíveis de capoeira.

Mas também sempre disposto a dar uma mão, se nada soubesse pelo menos carregar latas de concreto ou cavar buracos.

A coisa ficou tão enraigada em mim que breve comecei a auxiliar e até na falta de instrutor a dar aulas.

Embora a capoeira seja dança, meneio, gingada e esguia, também é ataque e em última instancia até instrumento de morte .

Eu respirava “Maculelê” e por causa disso ganhei uma bolsa de estudos total cem por cento, não pagaria nem os cadernos.

Mesmo rapazote, já era herói da “Maculelê”, e por isto sempre que havia representação, era a minha missão junto à associação.

Conseguimos ótimos patrocínios além do que já tínhamos.

Por problemas financeiros, minha família teve que mudar para o outro extremo da cidade.

Aí a coisa ficou preta, eu não tinha dinheiro para a condução.

Houve uma reunião e a diretoria achou por bem, que eu recebesse um salário pelas aulas que ministrava , bem como auxílio transporte , o vale ainda não existia.

Em um final de semana, estava em um ponto de ônibus, aguardando a condução que levaria a condução que me levaria para casa.

Eu já não sabia mais qual era, pois era tão bem tratado na Maculelê, que considerava minha segunda casa.

Como o ônibus demoraria coloquei minha mochila no chão e me preparei para a espera.

Nisso ouvi uma algazarra que se aproximava.

Fiquei de pé porque nunca se sabe.

Uma moça muito bonita era assediada pelos rapazes.

A coisa estava tão quente que até puxavam seus cabelos e alguém pegou seu braço.

Em desespero ela olhou para mim, mas não disse nada, porque eles eram de seis a oito e eu estava sozinho.

Como entendi a situação falei:

-Qual é morena você chorou por quê?

Ela não disse nada e um deles falou.

-É sua namorada?

-Por mim tudo bem desde que você me beije primeiro.

-Olha aí mano o cara é folgado, ao invés de zuarmos a moça, vamos zuar os dois.

Calma não precisa violência, basta vocês se ajoelharem e pedir perdão.

Se ela perdoar vão embora sem um arranhão, se ela não perdoar, infelizmente vou ter que lhes ensinar boas maneiras.

Até a morena se assustou, falei para ela:

-Fique atrás da mochila.

Devido ao treinamento diário, meus músculos, haviam se dilatado e eram duros como aço, só que eu usava camisa larga para não melindrar os colegas.

Comecei a judiar, batia de mãos e pés, não deixando ninguém correr.

Acho que quinze minutos de boa briga e estavam ajoelhados.

-Por favor, senta na mochila.

Ela sentou, mas não acreditava.

-Pedimos desculpas para a senhorita e para seu namorado e prometemos nunca mais mexer com moças sozinhas, pois podem ser nossas irmãs.

-Eu não ouvi.

Todos falaram, ela perdoou, aí eu falei.

-Vou dar a volta bem de vagar, se vê-los de novo, vão preferir ir para a cadeia onde eu estive.

-Desculpe Senhor Desculpe Senhor Desculpe Senhor

E correram de fazer dó.

- Boa noite sou Santiago e você?

-Meu nome é... Cara você não existe parecia o Bruce Lee.

-Eu sou um homem de paz e dificilmente brigo, mas não podia deixá-los fazer aquilo com você.

-Você é muito bom.

-Para senão vou encabular.

-Você merece um beijo.

E deu, mas no susto virei o rosto e o que seria um simples beijo no susto virou um shoquinho.

-Cara olha o que você me fez, eu sou um rapaz de família, o que vão pensar de mim se alguém vir?

-Que sou volúvel, que qualquer moça, só porque é linda e tem cabelos e olhos iguais aos seus, já vai chegando e se aproveitando assim?

Só porque sou da periferia?

Um dia ainda saio daqui.

Ela ria gargalhava e estávamos praticamente abraçados;

Passaram duas pessoas e o homem falou para a mulher:

-O amor é lindo não?

Ela respondeu.

-É.

Falei.

-Viu?

Já estão falando de nós.

-Santiago, eu sou como te disse cara, no momento estou desempregada.

Lógico que tenho inúmeras propostas que estou estudando e você?

-Eu trabalho no projeto ”Maculelê”, ganho pouco, mas gosto do que faço.

-Espere estou falando, você é famoso professor Santiago?Da “Maculelê”?

-Sou sim, mas não tão famoso.

-A Maculele vai fazer uma demonstração no estádio do Rosas, no próximo fim de semana, você vai?

-Claro são meus alunos, tenho que estar lá.

-Se eu arrumar dinheiro irei vê-lo posso?

-Deve e você é minha convidada, quem sabe comece a treinar conosco?

-Estou quebrada só se pagar com beijo.

-Acho que você está me explorando mulher, será que estes caras não são seus empregados e você está brincando comigo?

Ela ficou séria.

- Santiago, desde há alguns meses que minha avó morreu só tive tristezas.

Hoje você me fez rir, me deixou feliz, coisa que pensei ter acabado para mim.

-Cora não posso acrescentar nada à sua vida, sou um afiliado da Maculelê, ganho relativamente bem, pois como e durmo lá.

Só aos finais de semana vou para casa.

Posso acompanhá-la?

Nossos bairros são próximos.

-Lógico professor.

-Começamos errados, fiquei tão feliz quando você me chamou pelo nome, agora estou parecendo velho.

-Coitadinho, a Corinha maltratou você nenê?

-Estou muito envergonhado, mas gostei.

-Então vou te batizar de novo.

-Você Santiago, de agora em diante, até que a morte nos separe será bebê.

-Gostei mais ainda, principalmente o até que a morte nos separe.

Dá um ar de compromisso.

-Você não é comprometido é?

-Sou.

Ela estampou no rosto uma tristeza e um desapontamento enorme.

Era bom demais para ser verdade.

-Tenho uma namorada linda, de lindos cabelos pretos e olhos também.

Um corpo fenomenal, não sei, mas deve dançar muito bem.

-Qual o nome de minha inimiga?

-É uma poetiza o nome é Cora Coralina.

-Sou eu?

-Se você quiser.

-Minha mãe sempre foi fã da poetiza, por isto meu nome Coralina, então eu tenho cabelos lindos?

-Sim.

-Fale mais de sua namorada.

-Ela é só um corpinho bonito?

-Não, se fosse só isto eu não aceitava.

Mas ela é humana, sofre, chora, ri, vive a vida e tem esperança, que é o melhor.

-Cora, estou entrando para a faculdade de educação física, breve poderei dar aulas em escolas também, tenho projetos.

Agora que te conheci, sinto ser você minha alma gêmea, e se Deus quiser, formaremos um casal de dar inveja a qualquer um.

-Calma eu não tenho pais, sou órfã, mas tenho a cabeça no lugar.

Moro de favor com uma tia e não gosto, mas só saio de lá para minha casa e com marido.

Desculpe a franqueza, você é bonito, legal, tem um corpão, mas paramos por aqui.

-Cora, também vou batizá-la, doravante será princesa e isto falo ao invés de me chatear, me deixou muito orgulhoso.

Quero falar com quem você quiser, namorar e se Deus quiser e ajudar casar e ter quinze filhinhos tão lindos como você.

-Dá para abaixar para um casal?

-Ou quinze ou nada, quero curtir orgulhosamente todo produto do nosso amor.

-Sim, mas eu vou estar onde, depois de quinze gestações, de muleta, numa maca, ou numa cadeira de rodas?

-Minha avó teve vinte e um, e era muito linda.

-Bom por enquanto vamos namorar primeiro.

Sua tia estava adoentada, os filhos haviam saído e eu me prontifiquei a ficar se necessário fosse chamaria médico ou ambulância.

Mais tarde depois de sedada a tia dormiu, Cora falou.

-A coisa tá feia.

No primeiro dia você me agarra, me beija, quer quinze filhos e já dorme comigo.

Você é ligeiro eim rapaz?

-Princesa a vida é curta e temos muito amor para dar.

Ficamos no sofá, só não quebramos nossa palavra por pouco, pois ambos tínhamos o sangue quente.

Após a apresentação que foi ótima, conseguimos mais patrocínios.

Apresentei Cora aos diretores que eram verdadeiros pais para mim.

-Bem como ela entende da parte burocrática pode ajudar na secretaria que a D. Zilá, já está quase morta de tanto trabalho.

Mas vamos registrá-la, não queremos explorá-la como fazemos com a maioria de nossos colaboradores.

Cora estava felicíssima e eu feliz por ela.

Nossos amigos comuns até parentes nos aceitaram e de repente senti que de fato tinha uma família.

Após um rápido namoro, pois não tínhamos condições de cumprir nossa palavra empenhada, ficamos noivos e casamos.

Daí surgiu o primeiro problema, meus pais Maculelenses, queriam que morássemos no clube, na sede.

Já tínhamos casa mobiliada, sua tia queria que morássemos com ela.

Seus primos saíram do país para tentar a sorte na Europa, e a tia ficaria sozinha.

Praticamente foi me dada a casa com a filha junto.

Pois fizeram doação a Cora e era também vontade da tia.

Embora trabalhássemos demais, nos alternávamos no zelo tanto que a tia dizia não saber quem era realmente sobrinho se eu ou Cora.

Nosso primeiro Filho.

Confesso que nesta vida de órfão, você aprende a conviver com tudo.

Minha princesa virou uma bola.

Teve que parar de trabalhar, mas tão enfronhada estava desde que D. Zilá se afastou para cuidar da saúde e não retornou.

Eu cuidava da academia, embora contasse com a ajuda de vários já com níveis de mestre.

Após o almoço, ia para casa com um calhamaço de documentos, para ela decodificar e dar destino.

Ela tinha uma auxiliar, mas era muito devagar e demorava a assimilar as coisas.

As coisas ficaram tão feias que pedi à diretoria que a desligasse pelo menos temporariamente, senão teríamos, o risco de perder a criança.

Todos concordaram e arrumaram um escritório de contabilidade, que tomava conta de tudo.

O nosso Bebê.

Cora passou mal tive que correr.

Como era muito conhecido tive várias pessoas à disposição.

Chegamos ao hospital rapidinho.

Nunca havia sofrido tanto.

Embora tivesse ganhado muito peso, a criança nasceu magrinha e teve que ficar no hospital para ganhar peso.

Ela veio toda chorosa e eu mostrei uma frieza que estava longe de sentir.

Só faltam quatorze.

Choramos muito, mas como era positivista, dentro de uma semana, nossa princesinha foi para casa conosco.

Não sabia que tinha uma esposa tão brava.

-Cobre a menina, não a deixa no vento, não joga ela para cima, não dá água gelada para a menina.

-Espere aí mocinha!

-Sofri tanto quanto você e quero curtir minha filha.

- Daqui a pouco você vai me bater, só porque estou preocupada com a menina.

-Não sabia que eu virei este monstro para deixá-la feliz, e é assim que sou tratado?

-Sei que você está dodói, sei que eu estou errado, mas estava carente.

-Tenho duas mulheres em casa e não ganho carinho de nenhuma?

-Pensei que você só quisesse ela.

-Ela só existe por sua causa e por ela te amo mais ainda, se isto é possível.

Agora que você já está recuperada vamos voltar à Maculelê.

Estou precisando de uma ajudante, as meninas parece que tem três pés direito.

Quando você treinava comigo parece que elas eram melhores.

-Acha que dá certo?

-Certeza absoluta e aconteceu dentro de menos de um ano.

Cora que estava acima do peso conseguiu equilibrar, parecia que nem tivera filho, malhava a não mais poder.

Nossa filha logo que pode entrou para o grupo infantil e era tão boa quanto à mãe.

A segunda tentativa.

Como não conseguíamos nosso segundo filho, ela passou a fazer uma bateria de exames.

Ao término o médico nos chamou e falou:

-Na vida fazemos vários projetos, porém só se concretizam com a ajuda divina.

Seu útero é infantil, por isto você sofre nas relações.

Seu primeiro parto teria sido um desastre, se você chegasse atrasada ao hospital.

Porém nem o primeiro filho

seria aconselhável, seu desespero de dar um filho a seu marido, você se propôs a arriscar a vida.

Agora ficou praticamente impossível, para salvar seu primeiro bebê praticamente destruímos seu útero e quase não conseguíamos.

Se quiserem filhos e são jovens, precisam, só há possibilidade de criar outros.

A adoção tem dado certo e é comum vermos casais felizes e fazendo uma criança feliz, com a presença importantíssima dos pais.

-Cora quando falei quinze filhos foi brincadeira.

Arriscou a vida por um desejo meu.

Meu desejo maior é estar a seu lado.

Seu sacrifício já foi feito, vamos dar todo nosso amor a esta criança.

Além disso, somos pais de mais de setenta crianças.

Ainda bem que vamos ter ajuda.

Porque só nós dois, acho que não iríamos segurar a barra.

-E ela ajuda mesmo todos a adoram.

-Tal mãe tal filha.

Bete (Elisabete), nome de rainha, era de uma inteligência impar, estava sempre no comando.

Era mandona e interesseira, parecia Salim, vendedor de roupas, sabia cativar qualquer um.

Cora se formou em direito e defende a Maculelê com unhas e dentes.

Eu faço parte da diretoria e estou em constante briga por causa dos alunos.

Parei de dar aulas, meus alunos, mestres agora, são tão bons ou melhor que eu.

Tínhamos inúmeros projetos.

A maioria voltada para a infância e terceira idade.

Oripê Machado.

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 20/04/2012
Reeditado em 21/04/2012
Código do texto: T3624370
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