Cotidiano urbano

Uma das empresas onde trabalho é instalada em salas comerciais que ficam na sobreloja de um prédio comercial, numa rua de vocação comercial. No térreo há uma lanchonete, dessas populares, onde frequentemente conta com a presença de muitos clientes para o café da manhã, principalmente de pessoas que trabalham nas imediações. Inclusive eu assino o ponto lá, algumas vezes por semana.

Tenho o hábito de olhar as pessoas, o comportamento ao meu redor. Gosto de observar a vida urbana fervilhando com toda sorte de comportamentos, posturas, tensões e humores. Por isso mesmo gosto de ir nas feiras livres no domingo de manhã. É uma riqueza social, comportamental e cultural impressionante.

Pois bem. Nessa lanchonete, observo a muito tempo, penso que mais de um ano, um homem branco, de uns sessenta anos, de cabelos muito brancos e que senta para tomar café na companhia de três moças, aparentemente entre 20 a 30 anos e ele sempre paga o lanche de todos. Eles fazem seus lanches, conversam animados, ele quase sempre ouvido programa sertanejo no rádio FM através do seu celular sobre a mesa. Sim, celular serve também pra sintonizar rádio FM. São pessoas simples, percebe-se. Dessas que lotam ônibus, estádios, procissões, feira aos domingos, filas de banco, assiste novela, se aposenta, chora, ri, enfim... seres humanos na sua essência, como eu e você que está lendo agora. Brasileiros comuns e mortais.

Muito bem: a perto de um mês atrás, não sei o ocorrido, mas as três moças que lhe faz companhia todas as manhãs se levantaram resmungando alguma coisa, deixando o homem sozinho à mesa com seu radinho FM ligado no programa sertanejo. Apenas ouvi uma dizer com desgosto: "eu mesma posso pagar meu lanche". Realmente pagaram e foram embora e ele ficou sozinho.

Depois disso, por umas três vezes o vi sentado sozinho em uma mesa e as três mulheres sentadas em outra. Fico imaginando o que teria acontecido. Não sou mexerico nem intruso, apenas observo o comportamento humano, sempre que possível. É um exercício absolutamente enriquecedor e nos faz perceber onde realmente estamos, quem somos e qual nosso papel nesse universo.

Daquele evento me vem um mundo de pensamentos, sem jamais ter a pretensão de querer saber o que houve, o que os afastaram, quem ofendeu quem, se houve ofensas. Certamente se trata de uma das milhares de armadilhas que cerca o ser humano. Apenas torço para que não seja algo deveras grave ao ponto de provocar uma ruptura definitiva. Desejo que eles saibam administrar as adversidades, que saibam dialogar e se perdoar, saibam entender que nem sempre somos perfeitos e que muitas vezes precisamos ser compreendidos e aceitos.

Em outros momentos precisamos ter a grandeza de saber nos render, perceber que pisamos na bola e por isso mesmo temos o dever de nos retratar. Em outras oportunidadesprecisamos entender e aceitar, perdoar, aprimorar a convivência. Isso faz parte do crescimento e aprendizado humano, enquanto ser inteligente integrante de uma comunidade. Somos aprendizes.

Tenho a clara consciência que o dia que eu acreditar que já sei tudo, não preciso aprender mais nada, exatamente nesse dia eu começo a morrer.

Hoje fui tomar café na lanchonete de sempre e pude ver que todos os quatro estavam à mesma mesa, como sempre estiveram. Só não percebi se o telefone celular estava fazendo o seu papel de radinho FM. A reconciliação parece ter acontecido. E a vida continua a nos ensinar as boas oportunidades de aprender a conviver em grupo, apesar da gigantesca diferença que existe entra cada pessoa do universo inteiro.

Faria Costa
Enviado por Faria Costa em 24/04/2012
Reeditado em 14/09/2013
Código do texto: T3630236
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