Injustiçados, em nome de Deus
Foi pura coincidência: no mesmo dia li “A liberdade do
cristão”, a carta que Martinho Lutero enviou ao papa, em 1520,
defendendo a salvação pela fé, assisti “Deus é brasileiro”, “Chico
Xavier” e um documentário sobre Dom Helder Câmara. Religião é
um assunto que me fascina e, ao mesmo tempo, me apavora.
Fascina-me pela carga filosófica, pela beleza poética de muitos
escritos pelas milhões de mentes iluminadas criadas em suas
hostes e que deixaram esse mundo mais inteligente, pelos tantos
representantes que deixaram exemplos de amor total aos seus
semelhantes. E falo de todas as religiões que merecem esse nome
por aceitarem o desafio de religar o humano com as
representações do divino. Apavora-me pela imensa carga de medo
que carregam dentro de si.
Deus, Lutero, Dom Helder e Chico Xavier têm algo em
comum: são injustiçados. O filme “Deus é brasileiro” não é tão
novo, mas foi alvo de críticas pela forma “leve” como tratou a Deus.
É muito estranho que todas as religiões monoteístas dizem que
Deus é amor, mas difundem com ênfase um Senhor ególatra,
vingativo, quando não sanguinário, e que não ri, embora não exista
amor sem riso.
Martinho Lutero era monge e doutor em teologia. Com fé e
senso de dever, sentiu-se na obrigação de tentar fazer com que a
igreja de então voltasse à sua vocação, perdida na hierarquização e
outros ões. Foi excomungado.
Dom Helder Câmara, um arcebispo totalmente comprometido
com os menos favorecidos, poeta, visionário, profeta, no dizer de
Leonardo Boff, passou anos sendo perseguido pelo regime militar e
teve seu nome censurado na imprensa da época. Era todo caridade
e dedicação, mas demonizado pelos donos do poder.
Chico Xavier seria um homem muito rico apenas com os mais
de 400 livros que escreveu, com milhões de exemplares vendidos
em todo mundo, porém, cada centavo foi para a beneficência. Na
vida, só fez o bem e foi caluniado por fiéis de outras religiões aos
quais faltava o que Paulo escreveu na segunda carta aos Coríntios.
Sempre há cabeças que, mesmo na hierarquia das igrejas,
têm coragem, como Desmond Tutu, o arcebispo anglicano da África
do Sul e Prêmio Nobel da Paz. É dele a frase: “Deus é muito
grande para caber dentro de uma religião”. Abençoadas cabeças.