QUEM DIGNIFICA QUEM?!

QUEM DIGNIFICA QUEM?
Sandra Mamede



Indo a um culto na igreja Batista do meu bairro, o pastor se dirigiu aos presentes com a seguinte pergunta: -“O homem dignifica o trabalho, ou o trabalho dignifica o homem?”
A maioria respondeu que o trabalho dignifica o homem, ao que o pastor concordou e passou a “pregar” sobre este assunto.
Ele alegou que o trabalho dignifica o homem porque o homem sendo o sustentáculo da casa, se não trabalhar, fica um tanto quanto desmoralizado. Baseado nos “velhos tempos”, pois hoje em dia na maioria das vezes ambos trabalham para dar uma base melhor à família, pois somente um trabalhando seria muito difícil cobrir todas as despesas, a não ser, é claro, as profissões mais privilegiadas onde o parceiro ou parceira muito bem, e se isso for da parte do homem, ele prefere que sua esposa não trabalhe, pois o seu salário é suficiente não só para sustentar, como também para dar um conforto digno à sua família. Creio que isso só cabe à mulher decidir, se isso lhe fizer bem, não a faça sentir-se uma inútil, nada mais justo que ela se dedique à família ( marido, filhos, casa), o que também não é nada fácil e não deixa de ser um trabalho digno de respeito, de dedicação exclusiva e sem muito reconhecimento pela grande maioria.
Na hora do sermão do pastor, quis pronunciar-me,quis dizer que ambas as respostas estariam certas. Não somente o trabalho dignifica o homem, como também o homem dignifica o trabalho, e passei a lembrar de algumas pessoas que exerciam tarefas simples, mas como muito orgulho e dignamente.
Dias depois tive essa prova de uma forma bem direta e contundente.
Chama-se Zélia, uma senhora de mais de 60 anos, alta, magra, com um inchaço incomum na parte inferior das pernas. Seus joelhos são grossos destacando a finura das coxas. Muito pálida, olhar triste, ela é uma das pessoas que a Secretaria de Educação classifica como fazendo parte da equipe de apoio. Fazem de tudo. Limpam, varrem, cuidam das cadernetas, da disciplina nos corredores ( o que nunca acontece pois os alunos não as respeitam ).
Devido a esse problema nas pernas, ela foi designada a fazer o seu trabalho no térreo com o auxílio de mais uma colega, muito mais moderna, mais forte e conseqüentemente sadia. Enquanto esta senta-se na cadeira esperando somente o professor para entregar-lhe a caderneta de freqüência, aquela põe-se a varrer o pátio do colégio. Um pátio enorme, com uma quadra de futebol de salão, uma área muito grande na frente da cantina onde muito lindo encontra-se um “fícus” gigantesco de muitos anos que agora nesse tempo “deixa-se desfolhar”, cobrindo o pátio com suas folhas verde-amarelada.
Fico a contemplá-la da porta da sala. Não consegue andar direito devido aos problemas nas pernas, anda muito devagar, quase arrasta-se até o seu posto de trabalho, assim que chega arma-se de uma vassoura e vai varrer o pátio, mal consegue com o peso da vassoura devido ao seu estado, mas ela varre, aos pouquinhos, juntando as folhas em montinhos que depois devagarzinho vai recolhendo com a pá de lixo.
Chamei a outra e disse que aquilo era monstruoso, era desumano, porque o colégio não a afastava do serviço?!
A resposta me surpreendeu. Respondeu-me a outra: - “Prozinha, nós já nos reunimos e fomos falar com Diretora que nos atendeu imediatamente, só que para surpresa nossa, Zélia quando foi chamada ao gabinete da Diretora e recebeu a notícia do seu afastamento até a aposentadoria definitiva, ela ficou desesperada. Disse que ainda era capaz de trabalhar, que só se aposentaria no tempo certo, que não era inválida e que gostava do serviço que fazia”. A Diretora teve que voltar atrás na sua decisão.”
Eu digo, isso sim que é cidadã, que é uma pessoa íntegra. Em casa quando chega, ainda tem um neto com problemas mentais, um presente deixado pela filha que sumiu no mundo. Sozinha, sustenta-se e ao neto.
Hoje, quando a contemplo varrendo pátio, não reparo na sua dificuldade de locomoção, reparo sim no seu semblante de satisfação por estar exercendo o seu papel na sociedade, por estar dignificando o trabalho que faz, que mesmo sendo um “subtrabalho” lhe dá o pão de cada e que ela faz questão de ser digna de ganhá-lo.
Ela, assim como muitos outros brasileiros, simples, assim são, trabalham com amor, mesmo não ocupando cargos que a grande maioria não consideram como muita coisa, que para a grande maioria eles passam a ser invisíveis pela simplicidade do trabalho que exercem apesar de ser tão importante quanto qualquer outro, passam por eles como se não os enxergassem, é um a mais na multidão dos anônimos, mas que são tão dignos quanto qualquer um de nós e contribuem com o seu comportamento e a sua parcela para a formação de uma sociedade mais digna e de um mundo melhor.


Sandra Mamede
SSA ( 12/11/2006 )