Viagem de trem III

 

Quando pensei que já tivesse visto tudo nessa vida, percebi que estava enganada...
Saída do trabalho significa ‘correr’, afinal, quando não cai uma tempestade; os transformadores não explodem; os tiroteios entre policiais e bandidos não acontecem; os trilhos não são roubados e as vistorias não existem; normalmente, os trens chegam no horário!
Corri para a estação, pois o ‘direto’ passaria a qualquer momento.
O movimento estava tranquilo e pensei...
Acho que hoje aliviarei a tensão de mais um dia de trabalho com a leitura.
Apenas pensei...!
Como sempre, mesmo com os alto-falantes diariamente anunciando a compra de cento e vinte novos trens, chegou o ‘mais velho’ de todos!
Uma inusitada mudança de planos aconteceu...
O trem estava, podemos dizer, até vazio, mas o silêncio para a ‘tal’ leitura... Foi impossível!
Acredite se quiser...
Você já ouviu falar de ‘pagode de fundo de quintal’? Eu também já ouvi!
E ‘pagode de fundo de trem’? Com certeza, nunca, não é? Mas existe.
E eu, sem querer, participei de um!
Eram apenas seis integrantes, porém, quanta alegria!
Leve, livres e soltos... Pareciam em casa!
Com instrumentos ‘perfeitamente afinados’, tocavam e cantavam um vasto repertório.
O cavaquinho determinava a melodia, o surdo fazia a marcação, o pandeiro completava o ritmo e os três ‘vocalistas’ cantavam músicas do Exaltasamba, Arlindo Cruz, Diogo Nogueira, Belo, Beth Carvalho, das Escolas de samba e até músicas evangélicas!
Um dos vocalistas era só felicidade... Com o seu ‘sorriso aberto’, aliás, ‘bem aberto’, pois só existiam dois únicos e solitários dentes na boca, parecia estar no Sambódromo em noite de Desfile das Campeãs!
Mas verdade seja dita, não é que ele cantava bem!
O detalhe ficava por conta dos pés... A marcação (conforme ele mesmo falou para os amigos) era de três! Não me pergunte o que significa... Só sei que o negócio dava certo!
Quando entrei no trem, o vagão estava meio vazio, agora, estava ficando pequeno!
Os ambulantes (vendedores de pipocas, picolés, biscoitos, água, bebidas, doces e tudo o que a sua mente imaginar) começaram a aderir ao ritmo!
De repente, as vendedoras de ‘pele’ também se renderam ao samba e viraram as passistas do grupo.
Por mais que eu tentasse, não entendia ‘como’ alguém num trem em movimento, conseguia sambar daquele jeito!
A galera delirava! E eu, nem para os lados olhava!
Na altura do campeonato, a cerveja já rolava solta (mas todos bem comportados...)!
Afinal, samba está intimamente ligado a ‘loura’!
O batuque contagiava e os meus ‘dedinhos’, disfarçadamente, começaram a se empolgar...
Fiquei com medo!
Já imaginou, ‘euzinha’, toda ‘no salto’, mexendo as cadeiras no meio do trem? Que desacerto seria!
Com uma determinação descomunal, controlei-me e a vontade cessou.
As estações passavam e a chuva caía.
As águas lavavam as tristezas das perdas, dos sofrimentos e das decepções mundanas!
Naquele pequeno espaço, os passageiros puderam, por alguns minutos, esquecer os seus problemas e juntamente com aqueles seis amigos, compartilhar momentos de alegria e descontração.
Eles somente agradeciam a dádiva de mais um dia!
Às vezes, precisamos sair da rotina para observar e valorizar o mundo ao nosso redor.
Isso faz bem a mente, corpo e espírito.
Amei a viagem!
Agora, fica a simples mensagem...
“Enquanto houver alegria e alguém para irradiá-la, o samba, assim como a vida, jamais morrerá!”
 
 
 
 



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Márcia Ramos
Enviado por Márcia Ramos em 28/04/2012
Reeditado em 28/04/2012
Código do texto: T3638383
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