Em São Paulo, na igreja de São Benedito

Nos últimos anos passei a frequentar a igreja de São Benedito com um sentimento de amizade com o santo.

Passei um bom tempo da minha vida sem me aproximar da fé. Coisa que apareceu nos tempos de juventude, influenciada pelo pensamento marxista dos tempos do racionalismo da vida universitária . Com um agravante: quando se está na universidade é comum o estudante achar que sabe muito. Que tem opiniões precisas e absolutas sobre as mais complexas realidades. E esse engano vai se cristalizando covardemente. Que pena! Hoje, eu sei que apenas o cientificismo e o materialismo histórico podem atrasar a vida e muito no sentido da busca da felicidade. Pior: acreditando-se ter o conhecimento verdadeiro. Criticar com consciência faz muito bem, mas com um pouco mais de sensibilidade, alteridade e humildade, por favor. Hoje tenho muita pena dos soberbos. Quão atrasados são!

A minha sogra falava dos tempos que freqüentava a igreja de São Benedito. Fica perto da sua casa, na rua Sílvio Dante Bertacchi. Sei que Sílvio era um professor e, mesmo sem conhecê-lo, tenho por ele um imenso respeito. Com total segurança afirmo que passou, como todo professor, uma boa parte da sua existência acreditando no próximo, se dedicando exaustivamente, procurando saber mais para ter condições de dividir esse conhecimento. Também, como todo professor, passou madrugadas estudando mais, se atualizando, corrigindo, tentando mostrar as possibilidades de abertura de caminhos, a importância de compartilhar saberes para a vida mudar , o país melhorar... o mundo andar. Todo o meu respeito, professor. Ainda mais: sei que teve alunos brilhantes, comprometidos, curiosos e respeitadores. Mas teve o arrogante, o displicente, o traidor, o boçal. Fique sabendo, professor (é claro que o sr. sabe muito mais do que eu) que os verdadeiros alunos caminham com pés seguros, olhar brilhante, fazendo da sua existência uma experiência sagrada e que os relapsos e soberbos ficarão à beira da estrada por opção. Triste opção!

E eu comecei a freqüentar a igreja de São Bendito, na rua do professor Sílvio. Que bom! Um santo e um professor... e as pessoas passam por ali distraidamente ou, ao contrário, correndo para o trabalho. Outros, perdendo o ônibus e a esperança, mas respirando a atmosfera do trabalho digno e da fé iluminada.

Com o tempo, passei a conhecer e ter uma consideração maior por esse santo ao sabê-lo filho de escravos na Sicília em pleno século XVI.

Quando humilhado publicamente por questões raciais, ao invés de se revoltar e optar pela violência, voltou-se com mais fervor para Jesus como fonte segura de consolação e perdão. Aos 18 anos, com o fruto de seu trabalho, provia a si mesmo e aos pobres.

Jamais deixou de atender aos mais humildes que lhe batiam à porta. Admiravelmente caridoso e humilde, foi exemplo de grandes virtudes para o seu tempo. Sempre valorizando o trabalho, soube com sabedoria ocupar o seu espaço na história.

Passei a freqüentar a sua igreja no horário em que se encontra vazia. Tenho um lugar cativo e converso com o santo... converso muito. Exercito as dúvidas, o agradecimento, ofereço alguma boa ação que por ventura tenha feito ao longo de um ano. Ali relembro os meus antepassados, amados e saudosos. Penso que até consigo abraçá-los um pouco, sentir o cheiro de alfazema da minha avó, o abraço tão sincero que dei no meu pai de despedida, mas eu não sabia que estávamos nos despedindo. Sinto ali a proximidade do sorriso da prima Maria. Sinto! Percebo presença, saudade, muito amor e nunca tristeza. Respiro esperança nas gentes, procuro compreender o humanamente incompreensível, exercitar o perdão... ah! Como é difícil perdoar! Como é penoso entender e amar aquele que nos arrasta tapete, fere a alma com punhal e ri na sombra!

Nas conversas com São Bendito eu vou tentando. Ele foi humilhado em público, foi pobre, sofreu um tanto... e está lá , abençoando e tentando provar que a vida vale muito mais que qualquer manifestação de crueldade, de insanidade, de sandice. Quietinho, ele fala muito alto. Fala ao coração, suavemente, com uma calma dos justos, com o olhar dos sábios, amparado Jesus menino nos braços, apresentado luz eterna e serenidade nas relações humanas. Tudo isso na rua que leva o nome de um professor, herói da resistência

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 29/04/2012
Código do texto: T3640470