NÃO COMPLICA MEU VELHO

Dona Benta morava em um casarão retirado. Num lugarejo próximo ao município de Santo Agostinho, capital da goiaba. Ela era casada com Seu Dorval, Seu Dodó para os íntimos. Quase cego, ele passava os dias a tocar a sua gaitinha de boca, acompanhado pelo seu fiel cachorro “Cautela”.

Os dias do casal transcorriam tranquilos a não ser pelas constantes saídas de Dona Benta à Igreja, sejam para missas, novenas, festas ou quermesses. Ela vivia envolvida com assuntos da pequena comunidade. Quanto ao seu Dodó, em nada aprovava essas ausências da esposa, e quando reclamava ouvia dela apenas a seguinte resposta: ”Não complica meu velho...”.

Apenas ao findar do dia, o casal sentava-se no avarandado do casarão. Nessa hora, dona Benta, segurava a mão do marido e ficava a ouvi-lo tocar a gaitinha de boca. Acho que esses momentos idílicos era a maior intimidade do casal que já beirava aos oitenta anos. Mas não durava muito essa sintonia, pois, logo seu Dodó brigava com o cachorro; reclamava da limpeza da casa; da comida... A tudo dona Benta respondia com um tranquilo: “Não complica meu velho...”. Era interessante ver a calma e a delicadeza com que ela fazia tal colocação, acho que considerando a quase cegueira do marido, ela procurava compensa-lo com a suavidade na voz.

Dona Benta tinha um sonho: Ver Seu Dodó tocando sua gaitinha de boca na Igreja, lá no alto no campanário. A igreja estaria lotada, e todos já estariam considerando o seu marido quase um artista. Se tocasse “Ave Maria,” então, seria o máximo! Porém o Seu Dodó não queria nem ouvir falar em apresentações, cada vez mais frustrando o sonho de dona Benta, que apenas respondia: “Não complica meu velho...”.

O inverno chegou e junto trouxe uma gripe muito forte para o seu Dodó. Ficou acamado. Teve febre alta. Até o médico foi chamado. Dona Benta solidarizando-se com o estado de saúde do marido não arredava o pé do lado da cama. Abaixo ,em um tapetinho próximo, ficava “Cautela”, que acabrunhado parecia sentir falta do som da gaitinha de boca. A casa era um silêncio total, quebrado apenas pelo som de “... Santa Maria Mãe de Deus...”. Era dona Benta que rezava.

As semanas foram passando e em uma linda manhã de domingo, após o banho, dona Benta foi ao encontro do marido. Levou um susto! Seu Dodó não estava na cama. Não estava no quarto. Não estava em casa! Nervosa e apressada ela correu para procura-lo pela estradinha que levava ao povoado.

Temerosa com o que poderia estar acontecendo com o marido, ela seguiu, até que, quase um quilometro depois, em uma curva da estrada ela avistou o “Seu” Dodó. Sim, o sentimento de posse apoderou-se dela nesta hora. Lá estava ele e vestido a rigor, portando a sua gaitinha de boca e acompanhado do inseparável “Cautela”. Em face da descoberta da esposa, Seu Dodó, não teve outra saída a não ser contar que iria à igreja, onde sabia que ela iria rezar por ele, e que ficaria feliz por vê-lo ali tocando sua gaitinha de boca.

Aproximando-se do marido ainda convalescente, Dona Benta, nem sequer imaginou que ele poderia estar indo pagar uma promessa. Foi logo tentando faze-lo voltar para casa e retornar para o leito.

Para imensa surpresa de dona Benta, a tal comando ele apenas respondeu: “Não complica minha velha...”!!!

CEIÇA
Enviado por CEIÇA em 01/05/2012
Reeditado em 27/06/2012
Código do texto: T3644124