Cotidiano

O que escrever? Como escrever? Estas duas perguntas trouxeram uma avalanche de preocupações a Jonas. Toda aquela paz, como num suspiro, perdeu-se. Tudo muito repentino; feito uma onda.

Do alto de seu “quase” estado de meditação ou contemplação, como por encanto, trazida pelo movimento da água, surge uma garrafa a boiar. Estava vazia; quase vazia melhor dizendo. A rolha de cortiça que noutro tempo vedava-lhe o gargalo, agora, corroída e sem forças, buscava ainda ser útil impedindo a entrada de água no seu interior. Do rótulo pouco sobrou. Partes, mais resistentes e insistentes, ali permaneceram para que alguém tentasse desvendar sua origem, mas não Jonas, ele seria a origem, e não por vaidade - esse vício não possuía.

Poderia ser um atleta, rei, cantor, ou o que quer que fosse. Se preferisse, seria até um santo, quem sabe; menos Deus - Desse, há muito se distanciara e nada mais lembrava. Em seus sonhos assumia tantos personagens que, às vezes chegava a pensar se por acaso não estaria ficando louco. Quem disse que pra sonhar é preciso dormir? Mais ainda: que seja noite? E os dias, para Jonas não tinham fim, apenas o Sol acompanhava suas loucuras e brincava de esconder.

Assim sendo, não lhe restava a menor ideia de tempo. A sintonia tornou-se tão forte que Jonas passou a ser parte daquela natureza - como se um não sobrevivesse sem o outro, aliando-se ao tempo que, assim como a brisa, beijou sua testa e o abençoou.

Tudo o que precisava estava ao seu alcance. E ele alcançava tudo. E Jonas decidiu: precisava extravasar, mostrar-se daquela forma; vestido de vida, com cara de felicidade.

De improviso como não sei, pois, ele não contou, começou:

- Você que achou esta garrafa, também me achou, disse fechando os olhos - se o paraíso existe, estou nele. E ele é assim:

- O céu é de um azul divino, e está sobre minha cabeça como se quisesse cobrir-me; claro que às vezes, o azul fica cinza e chora, mas eu sei que não está triste; apenas quer um elogio, um mimo. Já a água límpida insiste em vir prá cá trazida por ondas enormes que seguem o vento, assim como graciosas bailarinas numa dança interminável. A Lua toda noite ressurge. Cruza vagarosamente o céu desviando-se das estrelas e sempre busca me surpreender. Muda sua forma como se dama da noite fosse e se envaidece com sua beleza vista lá de cima nesse espelho enorme. Talvez queira mostrar-se ao Sol, mas este por sua vez, prá causar desdém, apenas aparece quando ela já está de saída e a olha de canto de olho.

Enquanto “escrevia”, no seu mais alto grau de prazer, não percebeu que chorava; assim como o Sol nos dias em que ficava cinza. E suas lágrimas eram tantas que umedeceram sua escrita... e ela se tornou ilegível, borrada como sua mente.

E Jonas despencou tamanha foi a tristeza.

A brisa que tantas carícias lhe fizera, tornou-se vento frio a alfinetar-lhe o corpo; gritando em seus ouvidos uma música daquelas, comuns em filmes de terror. Já a lua, talvez se achando feia, passou escondida por entre as nuvens – não queria vê-lo triste e sabia que o Sol não mais voltaria.

Jonas, sentado em meio a poças d’água tendo ao lado a garrafa, observou que outras mais se aproximavam trazidas pela água toda vez que aquelas luzes passavam; vazias assim como sua alma, e tão cheias daquele cheiro do álcool, como sua angustia.

Sem fome, sem forças. Jonas, sem saída... Sem vida.

Quem é Jonas?

Jonas é mais um pobre coitado que transita sem um norte. Refém dos vícios que a cada dia ganham mais espaço e força. Vive abandonado morando debaixo da ponte de uma grande cidade. Seus amigos são frutos de sua imaginação, assim como sua vida - tão abstrata e tão frágil que em meio a alucinações, vaga, esvai-se sem deixar saudade.