“O Vira Lata.”

Hoje sou um velho, com mais de... N. anos.
Vivo sozinho em minha casa, com meu amigo, o vira lata.
Quase não como em casa, pois, estou vinte e quatro horas trabalhando.
Quando volto, trago uma pizza que reparto com meu amigo, que até a coca cola divide comigo.
Às vezes eu finjo que me esqueço de colocar a parte dele no prato.
A princípio ele espera, quando vê que a parte dele não saiu, tanto a pizza como a coca, rosna e quer brigar.
Então me desculpo e ele rosna parece que fala:
- Ta pensando o que seu porra?
No princípio, era sozinho, não queria me prender a ninguém, pois trabalhei numa famosa entidade policial.
Se tivesse família, teria que ficar cuidando deles e não poderia fazer o meu serviço como deveria.
Tive muitas paqueras, mas quando chegava a hora de falar sério me afastava, pois não queria por em risco a vida de ninguém.
Como trabalhava muito, ganhei bastante dinheiro e adquiri minha casa cedo.
Tudo pensando em formar família, mas isto não aconteceu sou covarde.
Em matéria de armas tenho de tudo um pouco, comigo ninguém tira farinha não.
Aí me aposentei e continuei a fazer bicos de segurança, tenho uma equipe de jovens que trabalham para mim.
Na minha época de atividade, Como meu nome é João Carlos, me apelidaram de Jota Ka, por causa de um presidente nosso.
Cheguei a sair em diversos noticiários e jornais.
No meu meio, fui muito famoso e respeitado.
Como fiquei nervoso o apelido pegou.
Até a malacaiada, pagava um pau para mim e sumiam do bairro onde estava patrulhando com minha viatura.
Sabiam que ia sobrar  e muitos iam dormir com a bunda para lua.
Antigamente, só andava de moto.
Nos meus tempos de rapaz, quando estava na ativa tive muito atritos com bandidos e até autoridades policiais.
Era o chamado tipo “linha dura”.
Isto me acarretou muito rasga a seda.
Com autoridades, mas quando viam que eu estava ficando nervoso pediam uma troca de fraldas e saiam de fininho.
Quem anda certo não tem medo de nada.
Ledo engano, se soubesse o que sei hoje.
Está tudo de cabeça para baixo.
Quem anda na linha é atropelado, bem então chegava de madrugada em casa.
Sempre dava uma volta no quarteirão e muitas vezes dispensei casais de namorados, para ir brincar em outra freguesia.
Sempre que eu chegava, um safado de um cachorro sem dono.
Este tipo pulguento.
Vinha abanando ao rabo para mim.
Várias vezes eu o escorracei, não basta os malas para me encher o saco?
Um dia qualquer, que estava com a guarda baixa.
Cheguei em casa sem as devidas cautelas.
Não suspeitava que o bicho estivesse me esperando e ia pegar.
Ao lado da porta de casa, tinha uma moita de capim.
Não sabia que era a casa do vadio do cachorro de rua.
Tinha de deixar a moto parada para abrir a garagem, depois entrar com ela e aí sim fechar a garagem para depois subir para casa que ficava acima da garagem.
Ao estacionar a moto, o cão veio em minha direção,  rosnando como nunca fizera.
Ele era todo puxa saco, acho que ficou louco pensei.
Gritei:
Chega Zé e ia passá-lo, saquei as duas quadradas e antes de zerá-lo.
Passou como uma bala sobre meu ombro esquerdo e agarrou um camarada que estava a minha retaguarda pelo pescoço.
Como um raio, saquei a situação e as quadradas me ensinaram porque eram tão caras e precisavam de manutenção diária.
Parecia que tinha incorporado belzebu e passei um monte de gente para o outro lado.
Mas toma lá, da cá, também tomei alguns arrebites.
As forças minaram e caí ao chão não vendo mais nada.
Quando acordei estava no hospital, operado e sem um bocado de coisas que estragaram e tiveram que tirar, pois não prestavam para mais nada.
Lá no hospital, você começa a pensar um monte de coisas.
Chegou uma viatura e trouxe o pulguento para mim.
Teu cachorro deu maior samba.
Não queria deixar os rapazes te socorrer.
Comeu a orelha de alguns bandidos, o rapazinho é nervoso.
Segundo vizinhos não te largou nem um segundo.
Convencemos a enfermeira, que falou:
Só se derem um banho nele.
O pessoal tem um “qsa” próximo, na loja de animais e o bicho foi restaurado.
Parece cachorro de madame, mas o cara que deu banho nele, disse que foi mordido e vai processá-lo.
Disse que ele tinha que ser sacrificado e você preso.
Quando vi o cão realmente não o reconheci.
Rosnou para mim como se dizendo:
-Que foi seu porra, tá me desconhecendo.
"Tu não me conhece..."
Saí do hospital e fui pegá-lo na casa de um amigo.
Pensei em deixar quieto, porque todos gostaram dele.
Mas quando me viu, virou a cara para todo mundo.
A esposa do colega falou:
-Já sei, pegou a doença do Jota Ka, coitadinho, parecia que tinha se recuperado.
Então, a partir daí este vira lata passou a fazer parte da minha vida.
Trabalha tanto quanto eu e não tem salário, mas o rango tem que ser cinquenta por cento.
É o único que não me respeita.
Nós nos respeitamos, tenho que convencê-lo, não dar ordens, isto nem adianta.
E assim vamos vivendo a vida.
Tenho mais cuidado agora porque embora não possa transparecer, mas tenho um amor danado pelo tranqueira.
Outro dia veio uma admiradora me visitar, ficou na porta ele não deixou ela entrar.
Falei para ele:
-Você parece minha mulher seu porra da próxima vez te dou um chute na bunda.
Ele me olhou e como agora tem uma casinha dentro da garagem, que ele não usa só dorme na sala.
Mas entrou na casinha e virou as costas para mim.
-"Folgado cara,.. você não me conhece".
Mas dei risada, ela nem bonita era.
Saímos juntos passamos no açougue e peguei dois enormes contra-files.
Assei os dois e lógico o primeiro era dele, só não comeu porque queria a ver qual era maior.
Quando coloquei os dois lado a lado, aí que resolveu. Pegou o dele e foi no tapete comer.
Uma senhora que limpa a casa para mim, falou:
-Antes era ruim, agora está pior além de não ensinar o cachorro, encheu ele de vícios.
Só que ela não sabe que estou vivo por causa dele.

Oripêmachado.

 
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 06/05/2012
Reeditado em 06/05/2012
Código do texto: T3652867
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