Que saudade!
 
Belvedere Bruno
 
 Maria Alice tinha um amigo especial, aquele em quem podia confiar, mas, ao mesmo tempo, pensava na injustiça em chamá-lo apenas quando as coisas estavam mal. Se era o amigo perfeito, teria que compartilhar com ele alegrias, e não apenas despejar-lhe suas agruras. Mas as coisas andavam pesadas, e ela não agüentou: enviou mais um S.O.S a Otávio que, desta vez, respondeu incisivamente. Se as coisas andavam tão pesadas, disse ele, por que ela não resolvia de forma coerente, usando a inteligência da qual sempre se orgulhara?
Com essa negativa, Maria Alice começou a pensar no que faria para resolver os problemas , antes que eles acabassem com ela. A princípio, imaginou-se numa viagem. Logo, analisou que seria uma fuga. Um intensivo de alemão. Mas jamais usaria a língua! Perda de tempo, nessa altura da vida. Mudaria a cor do cabelo, para ver se a urucubaca não a reconhecia. Chegou até a lembrar a história do cara que tentou enganar a morte se disfarçando.... Mas essa história é tão velha, todo mundo já sabe! -Ai, o que faço pra sair dessa coisa ruim, o que faço pra essas nuvens desaparecerem ? - Aí ouviu o toque do telefone. Atendeu, logo dizendo que estava com crise de coluna, que não agüentava nem andar, e tratou de despachar, nem sabe quem, e sem nenhum remorso. Ufa, cada hora era um problema ! Teria jogado pedra na cruz?
Como dizer a Rafael que não havia mais condições para continuarem a manter aquele relacionamento? Estava desgastado demais, pareciam até dois irmãos, a chama já se apagara há tempos.... Ai, vida! Como queria voltar a experimentar aquele sabor inicial da paixão! Falem o que quiserem, mas se apaixonar é muito bom, mesmo que dure pouco! Eterno enquanto dure... e lembrou Vinicius. Pegou alguns vídeos e chorou de saudade dele, de Tom , de Elis . Queria voltar ao passado, pois o presente era feio, pesado, sem sonoridade. Que saudade da Cuba-Libre, da Bossa-Nova autêntica. Ai, anos 60! Só conseguia pensar naquele tempo, e começou a procurar aqueles amigos, aqueles bares...  Sentiu, mais do que nunca ,vontade de pedir socorro a Otávio , mas ele não queria mais ouvi-la.
Depressão? Não sabia. Procuraria Dr. Luis Antônio para uma consulta. E se isso fosse, de fato, constatado, pediria a Rafael que comprasse sua passagem para aquela viagem de navio. Claro que naquele navio onde tinha show de Roberto Carlos!
Lembrou-se de Wanderlea pedindo ao juiz que parasse o casamento, de Jorge fazendo prece pra chuva parar,e começou a chorar, dizendo: Ai , que saudade da Jovem Guarda!
Ao seu lado, Rafael balançava a cabeça, preocupado, procurando na agenda o telefone de Dr. Luís Antônio.
Ao fundo, a música : Por favor, chuva ruim / Não molhe mais o meu amor assim...


Música - Chove chuva - Jorge Ben