Depoimento Ao Museu Da Televisão Brasileira

Tive meu primeiro contato com o TESP- Teatro Escola São Paulo- em 1956. À época eu estava com oito anos e atendi uma convocação de Julio Gouveia que pedia meninos para uma novela infantil que estava por estrear na TV Tupi, ” O Pequeno Lorde”. O Teatro Escola era numa travessa da Consolação, ao lado do Cemitério São Paulo; eu morava na Aclimação, naquele tempo muito longe dali, e lá fomos nós, mamãe eu, de ônibus e depois de bonde até os altos da Paulista. Papai achava que era uma perda de tempo, mas eu insisti demais. Fiz o teste, mas o papel era para um menino loiro e foi para o Faelzinho Neto, sobrinho da Lucia Lambertini, a eterna Emília . Passadas algumas semanas, recebi um telefonema do Julio que me convocava para fazer uma pontinha no seriado “ As Aventuras de Tom Sawyer” que ia ao ar aos domingos no Teatro da Juventude. Ensaiávamos durante a semana e o programa ia ao ar, ao vivo, aos domingos.Na estréia eu me atrapalhei com toda aquela movimentação no estúdio, esqueci a fala, e o José Serber, ator experiente e grandalhão, assoprou-me e despertei do torpor apavorante e falei minha primeira fala, nasci para o teatro e para uma nova vida depois daqueles intermináveis segundos de terror. Penetrara no mundo mágico de “entrar por uma porta e sair por outra e quem quisesse que contasse outra”.

O TESP era um grupo à parte dentro da TV Tupi. Julio Gouveia e Tatiana Belinky adaptavam, produziam e dirigiam clássicos da literatura infanto-juvenil. Aos domingos, pela manhã, o Teatro da Juventude; às quartas, no final da tarde, o Sítio do Pica-Pau Amarelo; às terças e quintas, novelas juvenis no início da noite: O Pequeno Lorde, Nicolas, Polyana, etc.

Naquele início, em 56, fui fazendo algumas pontas, adaptando-me e assumindo maiores papéis, principalmente no Teatro da Juventude, onde pude conhecer muitos autores, viver muitos papéis e conviver com muitos atores que fizeram a história de nossa televisão como o Davi José, Henrique Martins, Dionísio de Azevedo, Lucia Lambertini, Edie Cherry-a Narizinho de sempre-, Hernê Leblon-o Visconde de Sabugosa que era também o nosso diretor assistente, Roberto Orosco, Débora Duarte, Verinha Darci- a inesquecível Polyana, filha de Elizabeth Darci, a primeira garota propaganda da TV brasileira-, Adriano Stuart, Geraldo Vietri e Walter Jorge Durst- diretores do TV de Comédia e de Vanguarda com os quais tive a grata oportunidade de trabalhar.Aquilo foi um despertar para o mundo, para a vida e para a cultura, especialmente para a nossa querida língua portuguesa, com a qual, de uma ou outra forma, tinha de conviver com maior proximidade.Do bairro da Aclimação tomava o ônibus elétrico até a praça do Patriarca, e dali o outro até o Sumaré; atravessava a bela cidade de São Paulo sozinho, um homenzinho em plena infância, um artista em busca de um papel que nem eu próprio sabia ao certo qual seria, mas cuja procura, envolvida em aventura e mistério, encantava-me.

Havia também os comerciais do Biotônico Fontoura do tio Candinho, patrono do Sítio e amigo pessoal que fora de Monteiro Lobato, o nosso herói de sempre; e lá estávamos nós lutando boxe e vencendo porque tomávamos aquele fortificante milagroso que levantara o ânimo até do Jeca Tatu.

O meu encantamento pela TV àquela época, e pelo Sítio e por Emília e todos os personagens daquela literatura nacional e grandiosa, é facilmente explicável: eu nasci em 48; quando comecei a despertar para o mundo, em 51 e 52, surgia a TV no Brasil, e devo ter sido um de seus primeiros espectadores mirins: o Sítio, o Pim Pam Pum, o Teatro da Juventude, os desenhos do Pica-Pau, o Clube do Papai Noel, o Falcão Negro, o Circo do Walter Stuart, do Arrelia faziam parte dos mágicos contatos com a vida e com o mundo, e foram para mim como que um imã que me levou a conhecer aquele mundo mágico da realidade e da ficção que me encantava.

Lembro-me de meu primeiro papel-principal num Teatro da Juventude, “O Aprendiz de Feiticeiro”, pelo conteúdo instrutivo do conto onde o menino que ajudava o mago põe-se a fazer magias na ausência do mestre e tudo dá errado, a vassoura do bruxo multiplica-se numa infinidade de bruxinhas travessas e o moleque não consegue desfazer o encantamento até que o mago volte para o castelo e desfaça as besteiras do aprendiz. Da passagem ficou para mim um ensinamento para a vida que tenho aplicado muitas vezes cuidando de não me aventurar a fazer artes antes de ter aprendido muito bem a lição.Naqueles ensaios, lá pelos idos de 58, íamos a uma escola de bailado infantil no Jardim América onde as menininhas bailarinas se preparavam para encarnar as bruxinhas no programa de domingo ao vivo e foi quando conheci a Débora Duarte, uma das bruxinhas, que deve ter tido ali sua primeira aparição na TV, ou uma das primeiras, não como atriz, senão como bailarina, com oito ou nove anos.Lembro-me das peças Bíblicas, do José do Egito com o Henrique Martins, Elias Gleiser e Dionísio de Azevedo. O Peru de Natal, da Mildred Mum, do Amândio Silva Filho, da Leonor, irmã da Lúcia, uma vovó Benta inesquecível, e de mim mesmo como Pedrinho, depois que o Davi José deixou o papel, e também como Tom Sawyer, personagens que influenciaram demais a minha vida de moleque sapeca, danado mesmo.

Lembro-me do Último dos Moicanos onde participei de um TV de Vanguarda com Lima Duarte e Lolita Rodrigues, dirigido por Valter Jorge Durst, e de um TV de Comédia dirigido por Geraldo Vietri, aí já havia vídeo tape, numa peça de natal gravada no Clube Nacional, quando contracenei com Glória Menezes e Tarcísio Meira que começavam a namorar, acho que em 1960.

Àquele tempo fazíamos teatro infantil também no Bela Vista. Ficamos um tempo fazendo Danielzinho e o Sono, dirigido e escrito pelo Ricardo Gouveia, ao mesmo tempo em que o Soldado Tanaka estava sendo representado; eu adorava ver os ensaios daquela peça, para mim sombria, de algum canto do palco ou da coxia; adorava a iluminação sombria e o cheiro de cenário, tinta com mistério.

Acho que fiquei na Tupi até sessenta e três quando a atividade do TESP interrompeu-se, eu já com quinze anos, morando em Pinheiros, quando conheci o Marcio Trunkl, o Fernando da Turma do Sete da Record, que morava no mesmo bairro e estudava comigo no Fernão Dias. Ele me apresentou a Aparecida Baxter e a Lourdinha Felix que tinham sido da Record e que estavam no canal 9- Tv Excelsior- fazendo teatro e novelas infanto-juvenis.Ali se iniciou para mim um outro período mágico: as gravações nos estúdios da Vera Cruz do Quem Quiser Que Conte Outra, o convívio com tanta gente legal, alguns que continuam até hoje na TV como o Osmar Prado com quem convivi de perto e a francesinha Jaqueline Myrna que sumiu, ou a Maria, a bailarina do Silvio Santos, ou a Luita Ramos Lobo, bailarina do Moacir Franco.

O sonho prosseguiu até sessenta e seis, ano de cursinho, Anglo Latino, preparatório para engenharia. Lembro-me de um dia, voltando cansado para casa, indo pegar o ônibus na Tamandaré com o Antoninho Fagundes que fazia o Anglo também e estava começando um ensaio para ser ator, e ele me disse que desistia daquele negócio de engenharia, que iria ser ator, custasse o que custasse. Aquele foi um dia decisivo para mim, eu deveria resolver o meu futuro também; decidi continuar aquele estudo penoso e cansativo; era algo contrário à minha natureza, e por isto, achei, um desafio; e também porque era uma idéia que estava em minha mente desde menino, talvez colocada por meu pai; mas a opção, naquele momento fora minha, como a do Toninho,uma decisão própria.

Aqueles anos mágicos terminavam ali.Mas o saldo permaneceria em mim, pois eu poderia revive-los quando quisesse; o meu passado, o meu presente e o meu futuro, a mim pertenceriam, e, no teatro da vida, eu poderia ser o autor, o ator e o diretor dos meus próprios dias.

Nagib Anderáos Neto

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