O momento mágico do pé na bunda

Após o fim de um relacionamento, olhamos pra nós mesmos como um corpo sem alma, e acabamos perdendo o tesão..

Existe, porém, um momento mágico ao levar um pé na bunda. Ele vem após um período de choradeiras e lamentações, de ficar andando pela rua de cabeça baixa, peito contraído, reclamando de tudo.

Após se sentir o lixo mais desprezível da face da Terra, olhar-se no espelho e desejar que aquele corpo sem vida de fato apodrecesse em um caixão.

Desperdiçamos muita energia pensando em como tudo deveria ter sido, como deu errado e o que poderíamos fazer para que este final trágico não mais se repita. Tornamos as coisas mais difíceis ao olharmos para nós mesmos com desprezo pela liberdade que temos de, a qualquer momento, virarmos o jogo. Esquecemos da nossa autonomia. Esquecemos quem somos. Ou, melhor dizendo, esquecemos o que, de fato, somos. Tudo o que conseguimos fazer é nos manter ressaltando nossos defeitos, problemas e insignificância, incapacidade e impotência.

Se pudéssemos, por um instante, voltar para o momento anterior ao nosso final trágico, veríamos uma pessoa cheio de si, preenchida por uma energia milagrosa, com uma vida que faz sentido. Mas, se formos mais espertas, voltaríamos para antes disso. Olharíamos para antes da felicidade, antes da chegada da garota especial, antes da “mulher da vida ”.

As cores da imagem seriam diferentes. Este personagem estaria diferente. A mulher aqui é um exemplar de homo sapiens femeá. Frustrada, sem energia, buscando uma peça que se encaixe. Ela não percebe, mas cria para si mesmo os fantasmas que a atormentam. E, diante destes monstros, cria também um anjo salvador na pele de uma mulher maravilhosa. Sarcástica, inteligente, simpática e, como se não bastasse, bonita.

Um fantasma ilusório criado para lhe atormentar.

O que ela ainda não havia admitido para si mesma, antes de conquistar/perder o seu “anjo salvador”, é que vivia desperdiçando sua vida. Desperdiçava seu talento num emprego que não a satisfazia e também não beneficiava ninguém. Não contribuía em nada, de fato, para o bem-estar daqueles que a rodeavam.

O momento mágico, quando o relacionamento desaba, é a oportunidade de rever completamente nossa existência no mundo através do ponto mais concentrado de nossa consciência: a dor.

Assim, de repente, ela não tem mais desculpas para dar a si mesmo. Não vai poder dizer “Pelo menos tenho minha namorada”. Nem “Não importa o que aconteça, ela estará ao meu lado”. Sem prêmios de consolação. Sem afagos da mamãe. Apenas os escombros ao seu redor.

Ela olha novamente para os seus sonhos. Olha novamente para suas qualidades, numa tentativa de descobrir algo que tenha resistido ao impacto. Algo que não tenha sido arrastado pelo tsunami. Neste momento descobre o grande segredo. A motivação.

Algum ímpeto surge. Ela tem raiva, o sangue corre novamente. Matricula-se numa academia, corre, estuda, trabalha naquilo que realmente a preenche.

De repente resolve mostrar que vive além do que a afligia. Transforma sua vida no que sempre sonhou. Subitamente, ela é aquilo que pensava faltar no relacionamento que acabou. Sente-se pronta pra outra.

Agora, surge um novo universo de possibilidades. Fica difícil não pensar no que poderia acontecer, já que ela se tornou uma outra personagem. Mais forte, destemida. Quem sabe a ex-namorada volte? Quem sabe ela encontre outra? Quem sabe resolva viver solteira, comer todas as mulheres que encontrar pela frente? O que importa?

É aqui que terminamos, de volta ao planejamento.

Ela realinhou sua vida, correu novamente atrás do seu horizonte. Descobriu a satisfação de estar no lugar certo, fazendo o que, para ela, é certo. Isso é o que realmente importa. Nós somos isso.

Enquanto não descobrimos a força de estar alinhadas com um propósito, seja ele qual for, vamos escorregar. Não saberemos como permanecer em pé mais do que um instante, sem necessitar obrigatoriamente de uma mão para nos amparar.

O fim, em geral, contém essa carga benéfica. Ele nos impulsiona a mudanças que de outra forma não nos motivaríamos a realizar. Sem isto, talvez ficássemos muito tempo estagnadas, sem propósito, sem saber o que fazer. Claro, existem outras maneiras de sustentar a energia e seguir mantendo uma visão nítida, com os olhos no horizonte, mas isso é tema para outra hora.

A vida precisa continuar.

Mahh Sanders
Enviado por Mahh Sanders em 11/05/2012
Código do texto: T3661960
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