Crônicas de Aracaju

Coisa muito boa é passear no centro comercial de Aracaju. O hoje calçadão da Rua João Pessoa foi endereço nobre, bem mais nobre do que nobres se consideram os modernos shoppings. Acontece que agora, tanto o calçadão da João Pessoa quanto o da Rua Laranjeiras são ruas muito populares e, movidas pelos ares do capitalismo moderno e da globalização, estão cheias de lojas de mercadorias MADE IN CHINA.

Deixo bem claro neste parágrafo que esta crônica nada carrega em suas linhas de qualquer tipo de preconceito. Eu gosto de tudo o que é manifestação popular e no referido centro é coisa que não falta. Por outra, o que quero registrar é a graciosidade de algo que nesta tarde me chamou a atenção.

Entrei em uma loja de produtos simples, de utilidades domésticas, principalmente, mas que também apresenta bastante variedade, indo das bijuterias aos artigos de papelaria. Qualquer item, seja qual for o tamanho ou cor, o preço é um só: apenas dois reais. A loja vive cheia de clientes enquanto que outras casas passam os dois expedientes comerciais entregues à brisa que vem do Rio Sergipe. Dá até pra se notar alguns atendentes com aspecto sonolento ou olhando para o relógio e sonhando com a hora em que a Catedral Metropolitana repique os sinos da Ave Maria. É tão lindo ver o movimento a esta hora, as portas sendo descidas e os comerciários com cara de felicidade. Isto apesar de alguns clientes chatonildos que querem se demorar ainda olhando algo ali que possa interessar-lhes.

Continuando, sobre o que nesta tarde e naquela casa comercial me chamou a atenção, foi um cartaz onde percebi um fenômeno linguístico que desafia qualquer estudioso. Lá estava a oferta, em letras maiúsculas e bastante caprichadas, a seguinte inscrição: PRÍZÍLÍA 0,50. Ah, que gostoso aquilo, que coisa mais deliciosa de se ler. Assim, em maiúsculas e com acento agudo em cada sílaba, com Z e sem LH. Isto é mesmo um fenômeno, fiquei rindo e imaginando nos ouvidos como eu conseguiria pronunciar esta palavra com indicação de três sílabas tônicas. Isto é de quebrar os dentes e ferir a língua. Experimente aí, você que me lê, e diga se conseguiu.

A mania de professora me levou a falar com o rapaz do atendimento, um adolescente. Meu querido, tem uma caneta? Sim, aqui está. Vou prestar uma contribuição a seu estabelecimento comercial (ele é filho do dono). Sim, ok, senhora. Aqui está. Veja, anotaram ali uma palavra... Onde? Cadê? Qual? Esta: PRÍZÍLÍA. Ah, tá. Então, aqui está a maneira correta de escrever esta palavra: PRESILHA.

Que coisinha mais sem graça eu passei a achar a palavra PRESILHA. Não me esquecerei que doce, quase um beijo, era tentar pronunciar PRÍZÍLÍA.

***

As opiniões de estudiosos e amantes da língua portuguesa são da maior importância para que sobre elas possamos refletir. Aqui insiro, com grande alegria, a opinião do advogado e também professor, licenciado em Letras, HERMÍLIO P. DE M FILHO:

DATA VENIA, MESTRA AMIGA.

Há controvérsia, sabemos. Por causa dela até já nos desentendemos, sem qualquer empecilho a uma boa convivência. Particularmente, vejo na grafia “prízílía” uma coisa indecentemente arreganhada, bizarra, e ao mesmo tempo apetitosa, como o é um “MIXTO” QUENTE, que, na hora da fome, só interessa o sabor... Não mais corrijo ninguém, a não ser a mim mesmo, o que já é um peso. Por esta razão, neste país em que o populismo é a regra e a norma é a contravenção, estou do lado das “bestas”. E uma besta que se preza não está nem aí para quem “vai ‘na’ escola”, “pisa ‘na’ grama”, e não tem “pobrema” se, ao escrever numa “praca”, assim troca o sujeito pelo objeto: “Desculpe o transtorno”, e as dubiedades do possessivo “seu”.

Ainda há pouco, no DFTV, uma repórter anunciou um evento a realizar-se na “ORTOGONAL”. Isto por aqui não existe, (nem no dicionário) embora na feira do produtor se encontrem as hortaliças. Ela quis referir-se à OCTOGONAL, que pelo formato de um octógono, uma região administrativa recebeu este nome. Essas “aceitáveis” variações linguísticas, queiram ou não queiram, implicam a inteligência da mensagem. Tudo isso é polêmico e tende para o “mais fácil” em detrimento do que seja belo e normativamente correto. Fala-se tanto em acesso e qualidade de ensino a todos os níveis, mas muitos seguem pelo caminho inverso. Não é a universidade que tem de igualar-se ao medíocre, mas este dela fazer-se digno por mérito inerente ao próprio valor, o que é comprovadamente possível em toda a escala social. (Vide exemplos antigos e recentes na mídia).

Sabe-se que os ensinos fundamental e médio, especialmente na rede pública, pouco têm a oferecer. E, por esta razão, as universidades pagam o ônus da desqualificação para que lhes facilitem o acesso. Isto é outro ponto conflitante e gerador de apaixonantes retóricas. Em meio a isso, alguém poderá chamar-me até de neonazista. Não. A ele e a todos garanto-lhes que não sou. Também não me preocupa convencer a ninguém de que sou um democrata. Seria como impor o pessoal ao coletivo, assim como o gosto, que é próprio. Naquilo do “Catar feijão se limita a fazer verso”, minha fala e minha escrita têm variado cardápio, nele incluso o indispensável e simples feijão. Mas bem feito. Não estou a abusar de conotação. Denoto-me aqui entre comensais a ler um editorial ou uma crônica nalgum jornal duvidoso, prazerosamente como a saborear um feijãozinho com torresmo.

Também outro não me intimidaria por seguir qualquer que fosse a tendência. Não dou explicações acerca de preconceitos, se os tenho ou não. Mas tenho um pé atrás para quem diz que não os tem. Então, aí me contradigo a flagrar-me num deles. E quanto à língua, falo-a como eu quero e oportuno seja ao interlocutor. Se até o meu coloquial ele achar esnobe, direi para irritá-lo: falo porque falo, escrevo como escrevo, “fi-lo porque qui-lo”. E certamente as duas bestas se recolherão “aos costumes” pelo inafiançável “preconceito”.

Tânia, o que seria um longo comentário transformou-se nisto. Jamais considere este texto uma afronta. Nem mesmo pretende o debate que o tema sugere. Sou pela língua e esta com a liberdade de expressão. Meu abraço.

taniameneses
Enviado por taniameneses em 15/05/2012
Reeditado em 19/05/2012
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