Às escuras

A cada apagão, seguido das mesmas desculpas, fica impossível permanecer incólume diante da triste realidade que nos cerca. Não é somente o sistema elétrico que sofre com o descaso das autoridades. Este blackout agiganta-se afetando a maioria dos órgãos públicos. Educação e saúde vivem tempos obscuros. Doentes são tratados em condições desumanas num sistema de saúde sombrio e corrupto. A educação encaminha nossos jovens para um futuro nebuloso. A justiça, em seções sombrias, premia os mais abastados. A violência priva a cidadão da luz do sol, caso ele deseje viver mais tempo. Mas o pior, é que esses fatos estão nos afetando de uma forma ainda mais intensa, profunda e claustrofóbica: estamos nos acostumando a essa escuridão e nos tornando parte dela.

O porão em que a administração pública tece sua teia, já é conhecido por todos nós. As maracutaias, negociatas, mensalões e afins, saíram das profundezas lamacentas dos gabinetes aterrorizando-nos. Felizmente, conseguimos tirar alguns políticos deste poço escuso, trazendo-os à luz da mídia, e, ocasionalmente, punindo-os na justiça. Falo ocasionalmente, pois a mesma falta de plenitude solar que encobre o governo, está presente no nosso judiciário. Os olhos vendados da justiça punem apenas aqueles que não conhecem seus direitos – acredito que esse seja o principal motivo de manter nossa educação na penumbra: quanto mais gente ignorante melhor para eles manipularem – ou que não possuam meios para se beneficiarem das brechas da lei. As leis que estão nos códigos servem aos ricos e políticos. O que está escrito não é o que se pratica. No trânsito, por exemplo, a união de bebida alcoólica e direção é fatal. O código de trânsito e o código penal aplicam punições. Contudo, o que está escrito não é o que se pratica. Os órgãos fiscalizadores flagram bêbados ao volante, mas não podem fazer nada, se o infame piloto alcoólatra se negar a fazer o teste do bafômetro, pois a lei diz, em mais uma das infinitas brechas, que o cidadão não deve fornecer prova contra si mesmo. Mais uma vergonha de um sistema nebuloso. Mais um exemplo das contradições da justiça, que somente enxerga seus filhos abastados e os conhecedores dos seus intrincados labirintos.

Saindo da esfera pública e dirigindo nossos olhos já embaçados para a não menos ardilosa vida privada, o panorama não é nada animador. Na tentativa de sobreviver diante de uma carga tributária extorsiva, cidadãos que possuem alguns bens e empresários, recorrem aos famosos jeitinhos: sonega-se imposto de renda; tomam-se recibos médicos de outros e pede-se para colocar em seu nome; cria-se o caixa dois; compram-se bens em nome de terceiros, entre outros artifícios. Para driblar o leão negro e faminto, recorre-se à engenhosa habilidade dos contadores. Aqueles que não se preocupam com impostos – a grande maioria da população que magicamente sobrevive com um salário mínimo – fazem malabarismos para sobreviverem sobre o cadafalso.

Esta mesma sombra adensa-se, transformando-se em presença constante em nosso cotidiano afetando nosso intelecto; nosso modo de interpretar a vida e a forma de como enfrentamos nossos problemas. Esta ausência de luz tornou-se comum. Ela não mais assusta. Ela saiu do mundo da imaterialidade adquirindo consistência nos problemas da vida moderna. Nós vemos, mas não enxergamos. Agimos sem pensar. O caos social prende a sociedade numa caverna. Não existe respeito pelos direitos alheios. Uma simples briga de cachorros na rua pode resultar na morte de um de seus donos. O assassinato foi banalizado. Dezenas num fim de semana. Sair tornou-se perigoso. É melhor ficar trancado em casa. E por causa disso trancamo-nos no breu de nosso interior. Criamos monstros internos, traumas e frustrações. Fundimo-nos a esta escuridão.

Aparentemente, pode não existir relação entre mais um apagão no sistema elétrico nacional e o adensamento da escuridão que nos envolve. Entretanto, se observarmos atentamente, este fato pode ser visto como uma metáfora: as constantes negativas de colapso no nosso sistema elétrico por parte dos governantes, se fundem com as nossas próprias negativas em assumir nossa fraqueza e inabilidade para enfrentar, realisticamente e eficazmente, as trevas. Vivemos num estado de blackout interno, que encarcera nossas mentes; reflexo dos absurdos que nos cercam. Enfim: vivemos como zumbis em meio à penumbra.

Antonio Deodato Marques Leão

Tonny Lion
Enviado por Tonny Lion em 20/05/2012
Reeditado em 20/05/2012
Código do texto: T3678556
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