Nuestros hermanos

É difícil não gostar da Argentina, futebol à parte, claro. A

capital, várias cidades, os vinhos, os Andes, a Patagônia, o bife de

chorizo, o tango. Façamos justiça: brasileiro torcer contra eles no

futebol é mistura de patriotismo raso com ufanismo bobo, por isso,

é sagrado, mas quem viu Maradona jogar e quem vê Messi,

acredita que existe a lâmpada de Aladin e eles a acharam.

O tango: haveria outro povo onde ele poderia ser dançado

diuturnamente na forma de falar, na escolha das palavras, nas

roupas, no comportamento? Acostumamo-nos ao protótipo que

fazemos do portenho, o argentino de Buenos Aires, e protótipos

sempre contém uma dose de exagero e, muitas vezes, de injustiça,

até porque o país é muito vasto, mas existe uma média, e essa

média está bem mais para tango do que para samba canção.

Nossos “hermanos” são passionais, e para fazerem

tempestade em copo d’água, basta uma gota. Talvez isso explique

sua tendência para o populismo e, consequentemente, para ações

precipitadas que se revelam um desastre. Há, no mundo, outro

lugar em que uma Eva se transformasse em Evita e se tornasse

uma santa? E em que o viúvo de Eva se casasse com Isabel e essa

virasse Isabelita e se tornasse presidente da República e

perpetuasse o desastre que descambou no golpe militar que

promoveu milhares de assassinatos?

Se é verdade que a história sempre se volta para si mesma,

lá isso acontece com uma rapidez impressionante: estão com

outra “Mãe dos Pobres” que chegou ao poder graças ao marido,

populista igual, e que não hesita em tomar medidas mais

destinadas a insuflar o ego da população e a perpetuar seu clã no

poder do que a resolver os problemas do país.

Há poucos dias, foi lançado na Feira do Livro de Buenos

Aires, o livro “La Cámpora, história secreta dos herdeiros de Néstor

e Cristina Kirchner”. Sua autora, Laura di Marco, sofreu retaliações

e enfrentou grande número de dificuldades para escrevê-lo, pois

aborda o que faz o grupo político “La Cámpora”, liderado por

Maximo, filho de Cristina, grupo esse infiltrado em todo o governo, truculento e

que tem como principal característica não aceitar dissidências com

o executivo. Um tango triste, mal composto, mal tocado e mal

dançado. “Nuestros hermanos” merecem coisa muito melhor.