Inusitado Encontro - Parte 2

Esse acontecimento já havia me marcado. Mas nunca poderia imaginar que voltaria a presenciar uma cena como a que vivera. E no mesmo lugar. A diferença agora é que a personagem desse acontecimento era ninguém mais ninguém menos que a pessoa mais importante da minha vida: minha mãe. Durante algum tempo dessa minha relativa curta vida, por muitas vezes buscava algumas respostas sobre minha vida quando criança, especialmente quando recém-nascido. Em todas elas era minha mãe quem eu questionava. Aproveitando o embalo, questionava também alguns acontecimentos de quando eu nem imaginava fazer parte desse mundo. Pois bem. Vamos ao que interessa:

Era a semana do aniversário de minha mãe. Durante algum tempo fiquei imaginando o que fazer para presenteá-la por mais um ano de vida. Por mais um ano de lutas, vitórias, quedas, ascensões. Pensava, pensava e não chegava à conclusão alguma. Sem saber o que fazer, convidei-a para fazer algo que há muito não fazíamos: sair juntos. Mesmo para apenas um passeio pela cidade. Estávamos caminhando quando chegamos ao viaduto do surpreendente encontro comigo mesmo. Resolvemos parar por lá e observar o movimento de carros, de pessoas. Estava anoitecendo quando uma menininha começou a se aproximar. No início não entendi nada. Nunca havia visto aquela garotinha na minha vida. Foi quando ao perceber sua presença, minha mãe começou a chorar. Um choro silencioso, carregado de mágoa e lembranças. Sem nada entender, ia perguntar o porquê daquela cena. Não pude. Antes que eu pensasse em falar algo, aquela criança aparentemente tão frágil, mas tão segura de si mesma, começou a falar.

-Era pra ser um dia de festa, não é mesmo? Mas todos nós, especialmente eu e ele – ela disse olhando pra mim – sabemos que não é assim. Estou errada?

Minha mãe balançou a cabeça negativamente. Eu, ainda sem entender nada, indaguei:

-Quem é você? O que acha que está fazendo?

-Cala a boca – ambas praticamente determinaram que eu me calasse. E foi o que fiz. Daquele momento em diante parecia que só haviam aquelas duas “mulheres” conversando.

-Ela sabe bem quem eu sou. Como sabe bem que é muito importante que eu esteja aqui. Quantas lembranças, não é? Mas por que se culpa tanto? Por não termos sido o filho que seu pai queria? Ou por todas aquelas dolorosas circunstâncias terem lhe roubado a infância? Você sabia que até hoje não sei o que é infância? O que conheço de infância é tudo o que vi através de seus olhos esses anos todos em que cuidou tão bem de quatro filhos. Desde aquela primeira criança, que apavorada, mas com o instinto maternal, você pegou em seus braços. E esse rapaz? Quanto amor doou a ele, não é? Você sabia que todos os dias ele agradece por te ter ao lado dele? Por nunca tê-lo abandonado? Por apesar de tudo ser essa leoa que o defende tão bem? E as outras duas? Que garotas inteligentes não, apesar de todo o sofrimento que a vida teima em causar a vocês? E o nosso sonho de estudar e ser alguém melhor na vida? Você se lembra desses sonhos? Eu sei que lembra. Todos os dias você também se lembra. Quantas vezes a senti chorando por não ter realizado esse sonho. Quantas e quantas vezes a vi chorando por não ter podido dar a esses quatro jovens tudo aquilo que não teve. Mas saiba que apesar de em seu consciente não ser um dia de festa, pra mim é um dia de gala. Com certeza não imagina o orgulho que sinto em poder observar em quem me transformei. São mais de quarenta anos não é? Desde o primeiro trabalho. Sempre se esforçando pra fazer o melhor pras pessoas que ama não é? Sempre se doando, sempre se deixando em último lugar. Foi assim com seus pais, foi assim com seus irmãos, com o pai dos seus filhos. E agora com seus filhos. Pai, meu pai. Sabia que de onde está ele se orgulha da mulher guerreira e vitoriosa que se tornou? Essa mulher forte, sábia, lutadora. Os sonhos são muitos não? Será que agora não é a hora de parar pra pensar um pouquinho em si mesma e buscar esses sonhos? Que tal parar de se preocupar um pouquinho que seja com o que as pessoas irão pensar? Que tal olhar lá atrás e tentar resgatar um pouquinho de mim? Agora você tem um novo anjo pra olhar não é? Uma netinha. Minha netinha. Que graça de menina. Sabia que você é a heroína dela? Tão nova e consegue sentir tanto carinho que precisamos. Fico tão feliz em ver o amor que ainda pode sentir pelas pessoas. E esse rapaz. Tanto que aconteceu e continua ao lado dele. Mesmo com tantos problemas continuam juntos. E sabe por quê? Porque você é mãe. Você é filha. Sabe bem tudo o que tem e tudo o que não teve também. E sabe tudo o que cada um deles precisa. Mas nessa altura da vida nem tudo está sob sua alçada, certo? O que preciso lhe pedir é que se desapegue um pouco de tanta tristeza. Esquecer sei que não pode. Eu não esqueci. Mas tem que aprender a conviver sem mágoa e sem se auto culpar por tudo. Mesmo sendo difícil como vejo em seus olhos que é, que tal lutar de maneira mais firme por sua felicidade, por nossa vida? Desapegue-se um pouco mais, ame-se mais. Vai ver como tudo ficará mais ameno e fácil de lidar.

Ao falar isso, como que por encanto, a menina sumiu. Fiquei impressionado e durante todo o caminho de volta pra casa, não troquei uma palavra sequer com minha mãe. Afinal, aquele era um tempo só dela. E eu melhor que ninguém, sabia o quanto ela precisava daquilo.

TJ Torres
Enviado por TJ Torres em 24/05/2012
Código do texto: T3684770
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