A alma da língua

Publicidade de congresso de comunicação estampa o arcebispo Desmond Tutu: “A linguagem é muito poderosa; ela não apenas descreve a realidade; ela cria a realidade que descreve”. Essa dimensão da linguagem, de criar realidades, dimensão essa compartilhada pela arte em geral, às vezes merece ser levada mais em conta. “A Cabana do Pai Tomás” foi o grande estopim da Guerra Civil americana, “A Divina Comédia”, criação da mente fértil de Dante, determinou a descrição do inferno que é considerada verdadeira até os dias de hoje, embora seja apenas um delírio artístico, a música de Wagner influenciou fortemente o nazismo – pena que os alemães, antes do desvario nazista, não tivessem se dedicado a ouvir “1812”, de Tchaikowski para saber o risco que corriam. Nos dias de hoje, na Pizzaria Brasil, a palavra é o fermento que cria uma realidade mentirosa que nos envergonha.

Ainda bem que a linguagem também faz carinho no coração, consola desesperados, grita pela liberdade e ladrilha caminhos. E tem um encanto maior: o tênue fio do significado que não só varia conforme o receptor e sua experiência de vida, mas se veste de forma diferente em cada idioma. Carlos Fuentes, escritor mexicano falecido há pouco, disse: “Há coisas que só podiam ser ditas em espanhol.” Referia-se à época em que começou a escrever, mas sempre o fez em espanhol, apesar do pleno domínio de outros idiomas. Cada língua tem sua alma, engrandecida ou humilhada durante a jornada de seus usuários; tem suas cadências, suas conotações e que quase nunca são iguais em outra, o que deve ter feito Pessoa escrever: “Minha pátria é minha língua”.

Uns idiomas se prestam mais para uma coisa, outros para outra: francês, para amar, alemão para mandar, inglês para negociar, espanhol para morrer de amor, italiano para discutir, são alguns exemplos, por isso a tradução é uma armadilha, embora necessária. “Traduttore, traitore.” Como traduzir a cadência sem sacrificar o sentido? Ou a ironia dos trocadilhos? Como fazer a versão de diamantes?

A língua tem uma alma que precisa ser acarinhada sempre.