A Montanha

Certo dia, andando pelo interior selvagem desse país eu vivi uma experiência que, se não de todo exótica, com certeza bastante curiosa.

Em meio a região hostil onde me encontrava eu avistei uma montanha ao longe e senti por ela uma forte atração que, na verdade, era justo o que eu procurava. Caminhei em sua direção envolvido pela mata e protegido pela escuridão do entardecer até que cheguei ao sopé. Parei para admirar sua beleza. Reparei que todo o meu ser fremia num desejo irresistível de nela me trepar. Saí a caminhar ao derredor a fim de identificar os perigos aos quais eu me expunha: os animais selvagens que habitavam o lugar, as plantas daninhas que vicejavam no entorno; foi então que descobri que, aquela colina solitária rodeada pela cordilheira era de propriedade privada. Não fiquei decepcionado. Tinha consciência de que jamais eu teria condições de possuir uma tão formosa. Como não encontrei cerca impedindo a passagem, nenhum animal atravessado no caminho, e sei que ali havia muitos, decidi galgar ao cume. A cada passo na subida, um achado deslumbrante. Toda coberta de grama, uma relva suave, aveludada, lembrava um tapete persa. Não resisti à tentação e sobre ela eu me deitei, rolei, e com o peito colado ao chão deslizei, como se fosse uma criança, de tão enlevado que eu fiquei com a sensação de prazer que tomou conta de mim.

Ainda estirado de bruços com os braços abertos a abraçar aquele monte que tanto me conquistava eu descobri frutinhas silvestres em pequeninas plantas rasteiras diante do meu rosto apoiado sobre a relva. Aproximei-me da que estava mais ao alcance, apanhei-a com a boca sem arrebentar o talo e a chupei por breve instante; eu já considerava morder a sua polpa macia, quando, de repente, ouvi o som abafado de pássaros se aconchegando no ninho e então lembrei que aquela montanha tinha dono.

Fiquei novamente de pé a contemplar aquela maravilha nos flancos e nas formas, e qual não foi o meu deslumbre ao ver, neste momento, com uma perspectiva totalmente diferente daquela à distância, o que eu via assim tão próximo de meus olhos extasiados eram duas formações rochosas imponentes, belíssimas, cujos contornos reproduziam um compasso aberto nos 40 graus. Assemelhados aos membros humanos pareciam ter sido lapidados por algum artesão de rara habilidade e inspiração majestosa. Com certeza ali se achavam por algum desígnio divino a modelar a natureza.

Completamente seduzido e atraído pelo lindo conjunto de penedos decidi seguir adiante até atingir o objetivo proposto, e escalei aqueles penhascos deleitando a nítida sensação de ser o seu único e legítimo dono. Flagrantemente dominado por irreverente sentimento de propriedade, por vezes detive o passo e, com o corpo bem colado ao rochedo, para mostrar àquela obra dos deuses o quanto meu coração batia acelerado, beijei com ardor e abracei com entusiasmo, cada um por sua vez, aqueles dois monumentos extraordinários.

Depois de vários paços, muitos afagos, completamente entusiasmado e com o coração a me saltar à boca, finalmente eu conquistei o topo daquela montanha. Já naquele ponto privilegiado, diante do céu quase ao meu alcance, estaquei totalmente inebriado de emoções e fiquei a contemplar duas estrelas que brilhavam ardentes acompanhadas da lua em quarto crescente a me sorrir.

No afã de conhecer algo novo e arrebatador desci pela fenda que uni as duas colunas rochosas convicto de que, seguindo pela greta, eu encontraria a razão maior que justificaria toda a confusão de sensações, desejos, ansiedade, prazeres... a que eu experimentava naquele momento. Seria o apogeu da minha aventura. E o resultado foi exatamente o esperado. Mal dei os primeiros passos topei com surpreendente cavidade natural no vértice daquele compasso, ao me aproximar e tocar na superfície das suas bordas meu coração disparou, o ar se tornou insuficiente, minhas reações, próprias e automáticas, fugiam ao meu controle. Enquanto eu avaliava o perigo de explorar aquela gruta sedutora firmei as mãos nas paredes de lado a lado para sustentar meu corpo que se precipitava de cabeça adentro obedecendo só, única e exclusivamente, ao desejo do desconhecido. A razão já não fazia mais parte dos meus atos. Concomitante ao meu impetuoso acometimento, um trovão rasgou o céu e ecoou em meus ouvidos. O estrondo de tão violento fez tremer toda a montanha. Eu, com mais da metade do corpo suspenso no ar, percebi que balançava. Receoso de despencar ao chão numa queda livre sem anteparo, primeiro concentrei toda a energia possível, em seguida, lancei-me de corpo inteiro pro interior da concavidade oca; foi escorregando a cabeça e o tronco adentro, espremido pela passagem estreita, que penetrei ao fundo até ficar inteiramente abrigado e efetivamente seguro. Novamente os trovões assombrosos retumbaram ininterruptos e mantiveram o morro vibrando tal qual num abalo sísmico. Protegido dentro da cavidade na conjunção de duas pedras monumentais eu esperei alguns segundos até tudo se acalmar. O eco da trovoada passou deixando aos ouvidos apenas o uivo do vento a pentear a mata. O forte tremor que sacudiu tudo ao redor continuou suave por segundos de eternidade, e a sua constância, causou-me espasmos tão vigorosos que o pranto solto da satisfação incontida irrompeu impetuoso e ficou a jorrar, sem parar, até eu ficar esgotado. Foi um momento tenso, de muita emoção, que jamais esquecerei.

Passado o êxtase e a subsequente languidez, livrei-me da prostração embalado pela natureza serenamente calma, a razão recuperada voltou a reger meus atos em sua capacidade plena, e foi então que compreendi que era chegada a hora de me retirar. Triste, por ter que abandonar aquela montanha à disposição do seu dono, por direito, o único capaz de desfrutar dos seus encantos. Levava no peito, contudo, um sentimento agradável de contentamento absoluto e felicidade plena, afinal, enquanto realizava meu desejo, fui dono passageiro daquele monumento grandioso e fascinante; cumpri a minha meta e deixei marcas evidentes do meu feito. Esta experiência incrível cicatrizou impressões definitivas na minha memória, sei que ficarão comigo para sempre.

Parti durante a alvorada ouvindo o canto sonoro de pássaros.

E toda vez que eu lembro dessa aventura, sofro apertos no coração por conta da saudade.

Dilucas
Enviado por Dilucas em 26/05/2012
Reeditado em 20/03/2023
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