Minha avó que cheirava à talco

Rosalina Assis de Oliveira. Minha avó materna, falecida aos 97 anos em 1999, deixando uma saudade sem fim, que ainda dói no meu peito.

Mulher altiva, bonita, generosa e cheirosa. Sempre cheirava a talco “tabu”, um cheiro que permanece no ar que respiro até hoje.

Uma líder, que conseguiu manter a família unida, mesmo que por alguma vias tortas, até a sua despedida.

Seus cabelos brancos mais pareciam um punhado de algodão todo ajeitado, ornando aquela cabeça sábia, desprovida de qualquer maldade e aberta para toda e qualquer generosidade.

Minha avó criou 7 filhos e outros tantos que por sua residência passaram demonstrando uma carência sem fim. Viraram filhos, até o seu casamento, que ela organizava como se fossem legítimos, cuidando dos mínimos detalhes, desde o enxoval até a recepção.

Tinha mãos de fada, e como fada costurava o ano inteiro enxovais de bebê para doar aos hospitais. Tudo muito bem arrematado, cheio de rendinhas, trancilins, viés e o que mais fosse possível para deixar as roupinhas com jeito de boas-vindas aos seres que estavam por chegar.

Na sua residência tudo era muito peculiar. Um enorme bule sempre disposto em cima do fogão, esperando ardentemente alguém para ser servido com um café forte, geralmente acompanhado por pão caseiro e bolachinhas feitas por ela. Um fogão à lenha esquentava os dias frios e abrigava bifes feitos na chapa, sempre acompanhados por batatinhas fritas, que só ela sabia fazer com maestria.

Sua cama era sempre cheirosa e, no criado mudo, encontrava-se um terço e um lencinho que guardo comigo até hoje.

Minha avó costurava as suas próprias calcinhas, todas de algodão e rendinhas nas pontas, duas preguinhas de cada lado, arrematadas por botões com casas muito bem costuradas.

No seu guarda-roupas havia um baleiro que ela enchia para quando os netos chegassem. Uma festa! Todos, sem exceção anseiavam por aqueles momentos tão simples, mas tão encantadores.

Fazia compotas de frutas como ninguém e, na sua sala de jantar, havia uma enorme cristaleira embutida, onde guardava as mesmas para serem presenteadas aos visitantes que por lá passavam.

Sabia receber como ninguém e da sua boca só saiam coisas boas, que me fizeram crescer pensando que a vida abrigava somente o bem.

Do seu pomar saiam folhas diversas para chás para qualquer tipo de dor: cólicas, rins, dores de cabeça, diabetes ... Eu, sempre com cólicas, corria para a sua residência e de lá saia curada.

Amava os seus aniversários e para eles convidava a família e suas amigas, a grande maioria da mesma faixa etária. Mesa repleta de doces e muitas risadas. A retaguarda se incumbia de lavar as inúmeras louças, pois a mesa era recomposta várias vezes, tamanho o número de pessoas que por lá passavam para cumprimentá-la. A sua sala de jantar ficava florida, tão florida que muitos vasos e buquês precisavam ser retirados para outros cômodos. Flores e flores comemorando o aniversário de uma flor.

Nos natais costumava abrir a residência para a família com três mesas enormes: uma para os netos mais novos, outra para os que estavam na adolescência e a última para os adultos. Lembro-me da minha felicidade quando fui transferida para a mesa dos adultos. Sinal de que eu já estava em outro patamar que, para mim naquela época, era mais do que importante.

Tudo era planejado com muita antecedência e nenhumm “furo” era percebido.

Minha avó não gritava, tinha fala mansa e com essa atitude angariou respeito e amigos por toda a parte.

Seus veraneios aconteciam em março, quando levava suas amigas para Tramandaí e lá jogavam víspora e sentenciavam que “paqueravam” os velhinhos que passavam pela rua.

Era uma mulher feliz, pois foi amada incondicionalmente por todos os filhos, genros, nora, netos e bisnetos e dela só lembranças boas ficaram.

Ensinou-me “preciosidades” que carrego até hoje, como o mexer de um tacho de suco de uva, o arremate de uma costura bem feita, o colocar a mesa da forma correta e a serenidade com que temos que tratar os problemas mais sérios. Tudo, tudo nela era “entendido”. Sempre havia uma explicação para tudo. E nada caia do céu – tudo era fruto de trabalho, de compreensão e generosidade.

Foi alvo de alguns artigos publicados que tenho guardados até hoje e, sobretudo, de amizades de todas as idades, que até hoje se emocionam ao lembrarem-se dela.

Caminhava por entre as ruas, especialmente para ir à Igreja, sempre de sapatinho de salto médio, pois não gostava de calçados rasos. Seus vestidos eram estampados e sua face branda, combinando com os tons que vestia costumeiramente.

Usava “chambres” de algodão, e deles vinha o cheiro de talco “tabu”.

Ah ... esse perfume ficou no ar ...

Assim como o seu jeito muito próprio de amar ...

Esta não é uma homenagem, mas sim a demonstração de como é possível ser feliz e fazer os outros felizes com simplicidade, generosidade e, acima de tudo, doação.

Uma doação espontânea que saia dela sem qualquer pudor ... e tudo retornava, pois faleceu com a mais pura dignidade como sempre viveu.

Ti amo minha vó querida! E, quando eu ficar grande, quero ficar igualzinha à ti!

12/03/2011

Publicada na III Antologia da AELN - Academia de Escritores do Litoral Norte

rosalva-cantinhodopapo.blogspot.com

Rosalva
Enviado por Rosalva em 27/05/2012
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