Meus Retratos

Meus Retratos

Jorge Linhaça

Se eu pedisse a mil pessoas para pintarem um retrato de meu interior, minha imagem que guardam dentro de si, por certo haveria mil diversas imagens.

Seria santo, anjo, poeta, artista, homem comum, gênio, demônio, bandido, pedante, piegas, visionário, palhaço, otário, arrogante, discreto, escandaloso, amigo, inimigo, capaz, incapaz, indolente, trabalhador, vanguardista, decadente, verborrágico, eloquente...

Enfim, haveria quantas visões quanto há pessoas que cruzaram meu caminho no mundo real ou virtual.

As visões dependem, obviamente, da convivência e da percepção do momento em que nossas vidas se tocaram ou cruzaram ao longo do caminho.

Quanto maior a intimidade mais aproximada do real pode se tornar essa imagem impressa na mente de cada um. Quanto mais distanciado mais ela se baseará em fragmentos ou impressões momentâneas.

Se me pedissem para eu fazer meu próprio retrato, por certo encontraria sérias dificuldades para executar a tarefa. Sou o fruto de combinação de muitos “eus”, alguns conhecidos e outros desconhecidos por mim.

Dizem que existem três percepções distintas sobre cada pessoa:

A pessoa que os outros veem.

Aquela que julgamos ser.

Aquela que somos realmente.

Portanto não há nada de simples em traçar a própria imagem.

Claro que estamos sujeitos a influências múltiplas ao longo de nossa vida, claro que modificamos nossos comportamentos até de maneira inconsciente. O julgamento que fazem de nós influencia em maior ou menor escala a visão que temos do mundo e de nós mesmos.

Aquilo que vemos, aquilo em que trabalhamos, aquilo que praticamos no dia a dia, seja de forma rotineira ou ocasional, incorporamos em nossas memórias e atitudes, paulatinamente.

Adquirimos e perdemos hábitos ao longo da vida, mudamos de foco ao longo dos anos, reforçamos ou deterioramos nossas crenças e ideologias a partir de nossas experiências pessoais.

O hippie dos anos 60, por exemplo, tornou-se empresário capitalista.

O amadorismo idealista das artes foi substituído pelo que é comercial e popular.

Tudo gira em função do mercado.

Assim somos nós, passamos por várias fases em nossas vidas, vamos amadurecendo ou recrudescendo ao longo dos anos.

Como já dizia Raul Seixas, somos metamorfoses ambulantes.

Meu retrato interior varia de acordo com a época em que é pintado.

Sinto saudades de quem eu já fui, mas, ao mesmo tempo, sei que aquele “eu” perdeu-se nas malhas de um tempo que não volta mais.

Meu retrato, portanto, é a sobreposição de várias camadas de cores e traços que foram se amalgamando ao longo dos anos.

Ainda assim é uma obra inacabada, transitória, sujeita a atualizações ao longo dos dias.

Ainda que somasse meu retrato aos outros retratos que fazem de mim, ainda assim seria uma versão incompleta e enganosa de quem sou verdadeiramente ou de quem serei quando acordar amanhã.

Salvador, 28 de maio de 2012.