AINDA SOU DONO DO MEU NARIZ?

A expressão dono do meu nariz é sinônimo de liberdade, independência, autoridade pessoal. Contudo, já há um bom tempo comecei a me perguntar se ainda tenho autoridade sobre essa peça que se encontra intimamente ligada a mim, bem colada no meu rosto. Um aluno repreendeu-me pelo fato de eu estar usando um perfume antigo. “Você ainda é do tempo do tabu”?, observou ele. Por mais tranquilo que fosse eu, naquele momento senti um abalo psicológico, senti a impressão de estar fora de contexto, antiquado, antigo. Como na verdade a gente é aquilo que pensa, já bem preconizou Descartes ao afirmar penso logo existo, o fundamental, pelo menos nesse contexto de mercadologia, não é existir, mas pensar que existe. Ou seja, a sensação de ser é mais importante do que o próprio ser. Uma pessoa que nasceu baixinho, será baixinho a vida inteira, porém achar que estar maiorzinho em algum momento é essencial para o ego. Mas, a questão essencial para essa reflexão é o processo que o faz sentir maiorzinho e os reais objetivos de tal sentimento. Claro que o ato de sentir-se bem, de elevar a estima é indubitavelmente benéfico a qualquer ser humano, porém a quem interessa esse ato? Quem lucra com isso? Quem são os verdadeiros beneficiados dessa sensação de auto-estima?

Quando o francês Renner Descartes, no imortal Discurso do Método, escrito em 1637, colocou em pauta a questão da racionalidade, procurou discutir sobre a reflexão, sobre a capacidade de bem analisar as ações. O Ser Humano precisa encontrar o caminho certo para utilização da razão o qual implica na construção de um método que começa com a dúvida e culmina com uma organização lógica das ideias. Quando tratamos da sensação de sentir-se maiorzinho, é um processo totalmente avesso ao racionalismo cartesiano. Trata-se da pura sensação sem reflexão. Na visão consumista para alcançar esse lampejo de felicidade, esse link de prazer ou um dowload de paz interior é preciso consumir algo. Tal consumo por si não é suficiente para causar a sensação de bem estar. É necessário que tal bem de consumo tenha reconhecimento da massa, independentemente da sua qualidade. O responsável pela escolha do consumo ideal não é feita pelo indivíduo consumidor, mas pelas empresas que lucrarão com tal venda. Essas são responsáveis em oferecer 15 minutos de fama, como bem expressa a música dos Titãs, a melhor banda de todos os tempo. Dessa forma, não sou eu quem escolho minhas roupas, as músicas que ouço, o cardápio que como, o idioma a aprender, o carro, o filme a assistir, o programa de TV, o perfume e o celular que uso. Esse cerceamento de minha liberdade de escolha se deve não apenas à influência do poder ideológico da mídia (que ganha caro pra fazer isso) de apresentar o pior como melhor, mas também à escassez de recursos, emprego e oportunidades econômicas em geral para ter renda suficiente para escolher. Mas, depois de tudo ainda penso que penso que existo e que sou eu que escolho meus atos. Penso que posso comprar uma Ferrari, uma mansão em Copacabana ou um jatinho para passear e faço valer a frase de Bacon querer é poder e no fundo admiro os ricos abusados para quem sabe um dia ser como eles, vide Paulo Freire.

Por esse motivo chego a pensar que no dia em que afirmarem que meu nariz é antiquado, está fora dos padrões contemporâneos de beleza, que ele me faz um ser imperfeito para os novos padrões de beleza, é possível que eu faça uma plástica a fim de sobreviver. Mesmo que meu nariz me permita respirar bem, se o mercado tiver que sacrificá-lo em nome do lucro assim fará, afinal respirar bem não é a prioridade do mercado. Aliás, que todos respirarem bem não é prioridade. Prioridade mesmo é consumir exacerbadamente, ou melhor, essa é consequência da prioridade número 1: o lucro de poucos. E assim concluo afirmando que no dia em que eu fizer uma plástica para me sentir bonitinho será a maior prova de que não sou mais dono do meu nariz. Nossa Senhora do Desterro afaste essa maldição.

CARLOS REIS SOUSA
Enviado por CARLOS REIS SOUSA em 29/05/2012
Código do texto: T3694120
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.