MORTE AO HEREGE

Venho de uma família tradicionalmente católica, meu avô vestiu batina, meu tio também, meu pai foi seminarista, minha mãe esteve em convento, eu mesmo fui seminarista e coroinha. Não havia um protestante sequer na minha genealogia. Fui o primeiro. Isso já tem mais de trinta anos. Sofri perseguições no trabalho, piadinhas sem nenhuma graça dos meus três irmãos homens que beiravam a minha idade, mas naquela época, distanciavam-se da minha fé. Já ouvi desdenhosa, injuriosa, indecente e jocosamente me chamarem de “irmão”, “bíblia”, “bode”, etc. Já tive que me encolher dentro da igreja, orando por misericórdia, ao som de pedradas no telhado do templo. Já fui preterido no trabalho acusado injustamente de “só querer saber de bíblia”, dentre outros aborrecimentos.

Discriminação: sei o que é isso. Sei também porque meus traços afrodescendentes também me fizeram conhecer o preconceito e o bullying. Esses detalhes não vou contar aqui, talvez em outro momento, mas hoje sinto que me causará lembranças que precisam ser curadas.

Parece que conviver com essas pressões é minha sina.

Hoje não sou discriminado por ser negro, nem por ser protestante. Os católicos me respeitam, minha família me ama e demonstra uma admiração especial por mim. Meus chefes e colegas de trabalho não se referem a minha cor e a minha fé com nenhuma demonstração de desdém, porém sofro um ataque preconceituoso do mundo evangélico e só dos evangélicos. Simplesmente pelo fato de ser membro da Igreja Betesda. A acusação única e veemente é que sou um herege e os guardiões da reta doutrina aproveitam todas as oportunidades para difamar e ridicularizar, não só a mim, mas quem faz parte da Betesda. Quer saber como me sinto? Sinto que o esquema gospel atualmente é o meu inferno, e os crentes fundamentalistas os meus demônios. Perdi muitos dos que se diziam meus amigos, hoje me evitam por que não creio como eles creem. Quando conheço um evangélico, enquanto ele não sabe que sou da Betesda se demonstra amigo e irmão, mas logo ao saber seu semblante muda e a conversa acaba. Para sempre.

Não vou me deixar abater. Também não vou dar troco. Já passei coisas piores mesmo quando não tinha a maturidade que tenho hoje. Quem quiser me amar e ser meu amigo, vai ter que aprender a conviver com um cristão que tem uma teologia diferente do mundo evangélico, mas que aprendeu a tolerância pelo que sofreu e quer aprender a amar por opção.