fotos  do  autor


MEUS  TIPOS  INESQUECÍVEIS  
SR.PAULO  STROPARO - UMA  TERNA  FIGURA
 
 Atrás  das  grossas  lentes  dos  óculos pairava  um  olhar sereno,algo  de  paterno.Havia  sempre  um  aceno  cordial,no  ponto,dirigido à  quem  passava.
 Por  vezes,o  ruído  seco  e  cadenciado  dos  pedais misturava-se  à  pequenos  estrofes  de  cânticos  religiosos.
 Samambaias escorriam  pelas  paredes  e a  tesoura  lambia  tecidos  nobres  sobre  o  tampo  da  grande  mesa  de  madeira.
 A  fita  métrica  pendurada  ao  pescoço,conferia-lhe  o ar  de uma  austeridade  que  ele  não  possuia.
Produtos  de  suas mãos, foram as muitas  peças  sob  medida  que  usei.Paletós  com caimentos  perfeitos e,nos  anos  70,as  famosas  calças  “boca  de  sino”.
 Num  tempo  em  que  eu  dava-me  o  luxo  de  ainda ostentar  cintura  rsrs...,as  costuras  altas  nesta altura  do  corpo  determinavam  o  toque  de elegância  exigido pelo  modismo  da época.
  Por  ali  era   caminho  de  casa e   ainda  guardo   nítida a  lembrança  das  muitas vezes  que ,atendendo  à  seus  convites,subia  as  escadas e  juntos  ficávamos  por  longo  tempo conversando  enquanto  me  eram  apresentados  os novos  padrões  de tecidos   recém  adquiridos.
 Era  um  tempo  dos  famosos  armazéns da  rua  Trajano  Grácia.Poucos  veículos ,algumas  carroças... e uma  quase  pasmaceira  reinando  entre    parcos transeuntes.
 Tarde  de  maio/2012,domingo...Num  céu  meio  pastoso  algumas núvens  carregam  uma certa  nostalgia.Uma  nostalgia  traduzida  em  leveza,numa  espécie  de  doçura  derramada  sobre  aquela  casa  de  madeira.
Vista  do outro  lado  da  rua, evoca –me  a  figura de  um  bibelô...Um  delicado cofre onde  o  giro  de uma  chave  trancafiou  uma   história  de vida.
Em devaneio ,invado-lhe  o  interior.
 Incansáveis  bordadeiras   ao  redor  da  lâmpada  apagada.A visão   cansada  do  manequin,espreita  o  silencioso tear  das  aranhas.
Empoeirado,o  cenário  permanece  o  mesmo.Tesouras  mergulhadas  na  lata  de biscoitos  “Lucinda”,sobras  de  giz  de  marcação,o  antigo  quadro de  parede ostentando  uma  caçada,alguns  mostruários  de  tecidos   fora  de  moda e a  “Singer” num  dos  cantos  da  sala.
 Os  cânticos  religiosos e  o  ruído  cadenciado  dos  pedais da  máquina  de  costura,mastigam-me  o  pensamento.A  lembrança  nos  põe  frente  à  frente,então,retomo  a imagem  de “Seo  Paulo”,uma  inesquecível  presença  de ternura  naquele  trecho  da  cidade.