João e Maria

João e Maria se encontraram, na festa de quinze anos de uma amiga em comum. A festa mais linda de que ainda hoje se lembram. Um olhar depois e sentiram-se interessados pelas qualidades aparentes um do outro.

Conversa, olhares meio disfarçados. Um esbarrar delicioso.

Um toque na mão, no cabelo dela. Um sorriso maroto. Uma dança com o corpo coladinho.

Friozinho na espinha, cheiro bom da pele, um conforto inenarrável de estar ali tocando-se. O desejo de que a musica não terminasse nunca. Trocaram números de telefone. E “Tchau” com um beijo no rosto, bem no cantinho da boca, meio disfarçado. Foi um comportado beijo no rosto. Ah! mas que vontade louca de ir alem!

A madrugada parece não ter fim, o sono não vem nunca. É delicioso fechar os olhos e rever o filme mental daquela festa que não deveria ter acabado nunca. Ir lá novamente e consertar a palavra feia dita sem pensar, o pisar no pé causado pelo nervosismo, dizer o dito engolido a seco que rasgou a garganta e a alma.

Resta esperar o nascer do sol, certamente o mais lindo deles. E o sono, enfim toma os corpos cansados de se dar aos sonhos em vigilia e de esperar quase sofregamente que o sentimento não seja unilateral.

João desperta às seis. Maria ainda dorme. O celular sobre o aparador parece ter adquirido a maior das importâncias entre todos os utensílios. É cedo demais para telefonar. O trabalho espera. Ele sai sentindo uma expansão saborosa dentro de si mesmo. Vai pela rua a cumprimentar sorridente a todos e a tudo. Cantarola com uma felicidade que transborda e tem vontade de gritar "Maria". Oito horas e é a hora. Não é possível mais esperar. O telefone toca uma, duas vezes. O coração dispara. Terceiro toque. Ah! Que infinitude árdua desses segundos. Quinto toque e uma voz metálica diz pra deixar o recado após o

sinal. O coração se aperta dentro do peito . Um desgosto aflito em si mesmo, um pequeno medo acende-se no fundinho da alma.

Tentar outra vez é o único caminho possível entre o medo e a esperança. Primeiro ,segundo toque : "Alô?" . A voz engasga entre um oi e um bom dia. "Sou eu, João". E ela demonstra pela entoação a felicidade em ouvir a voz dele. Rodeios, insinuações e... "Posso te ver hoje à noite?

E joão e Maria viram-se naquela noite, e em outras mais. E não enjoavam nunca de se virem.

Ao contrário. Cada dia era novo, mais lindo, mais gostoso. Um pedido de permissão aos pais. E eles estavam cada vez mais juntos. Beijavam-se e tocavam-se com ardor, com desejo.

A paixão tornou-se intensa. O amor arraigando-se silenciosamente, encostou-os contra a parede.

Não era mais possível apenas virem-se todos os dias e ter de despedirem-se. Isso doía profundamente.

E numa perfumada tarde de dezembro, João e Maria juraram "até que a morte nos separe". Uma cerimônia simples, uma viagem maravilhosa, e conheceram mais intimamente seus corpos.

Como imaginar esse paraíso senão vivendo-o? Concordavam extasiados e intimamente os dois felizes amantes. "Ah! Que sorte Deus nos deu".

E o tempo foi passando e Maria engravidou. Teve Paulinho que tanta alegria trouxe à família toda. Embora João jurasse com um olhar sincero e suplicante que Ela não engordara, e mesmo se; não importava, Maria sentia-se feia. E daí, João se interessaria, pela vizinha, pela amiga sua, por fulana, ciclana e etc. E João jurava que não. Mas cansou e parou de jurar. E na sexta-feira, passou a ir beber com os amigos do trabalho.

E João e Maria brigavam. Quem deles dois acreditaria se alguém lhes dissesse que isso algum dia aconteceria. Mas brigaram. E numa dessas, Maria ofendeu tão profundamente à João, que ele foi embebedar-se, como que por vingança ou desabafo. E isso também ofendeu à Maria com profundidade. A paz se restabeleceu depois, mas a união estava com uma cicatriz. E não demorou para se reabrir.

Maria acusava João de não dar-lha o conforto que merecia, e João, por sua vez, acusava Maria de ser mesmo pelos seus atos a sua condição. E João encasquetou que Maria interessava-se pelo bem sucedido e solteiro Estevão , confesso pretendente desde sua adolescência. E passado dias, Maria, viu na gola da camisa de João, quando chegou quase ao amanhecer embriagado,

uma mancha de batom vermelho. Ela chorou, e chorou muito. João jurava que não sabia como aquela mancha parou ali. E ele dizia a verdade. Era uma crueldade que fizeram com ele, enquanto ziguezagueava pela rua. Mas o alcool não o permitira sequer perceber, quanto mais lembrar-se disso. Ademais, mesmo que se lembrasse, contar isso á ela soaria mais como ofensa á sua inteligência do que justificativa convincente.

O tempo passou e Maria deixou-se levar pelos cortejos de Estevão, mais por tentar soerguer-se da melancólica vida do que por real desejo. E infidelidade João não perdoaria. E João matou Estevão, no quarto de Maria. Tentou também matá-la, mas não pôde. E Maria, pobre Maria, nunca deixou que Estevão a tocasse. Não podia. Mas disso João jamais teria

certeza por mais que jurasse Maria.

A justiça não condenou João. Isso nem mais importava. Disso nem soube. Que vida tinha ele agora. Fugiu de todos e por dez anos nem viu Paulinho. Maria nem pintada a ouro ele queria mesmo ver.

Não era certo, mas tinha medo de não sentir ódio e daí deixar-se à zombarias.

Nenhum dos dois amou alguém depois, embora amantes muitos foram deles. Só o corpo estava lá na hora. A alma vazia, vagava num passado alegre, enterrado pelo não saber real das coisas. O cheiro da carne era um analgésico pra falta de amor. E isso, só viciava, só distraia, mas não dava alegria e nem paz. Não tinha gosto. Era como uma penitencia, e ás vezes, uma pequeníssima gota de esperança.

João e Maria se encontraram ,por acaso, numa boate. João tentou, e ela também, ir embora sem dizer nada. Mas não puderam. Diante de uma multidão que não entendia nada, entreolharam-se por um longo, mas longo tempo mesmo, e abraçaram-se aos prantos.

Enquanto apertavam-se mutuamente entre os braços trêmulos, gemiam dizendo "por que meu Deus, por quê?". E Maria deu a João o número de seu celular antes de sair.

Na manhã seguinte, João olhou sobre a escrivaninha o celular e pegou-o para lançar fora. Mas não pôde....

Roni Muniz
Enviado por Roni Muniz em 05/06/2012
Reeditado em 17/01/2013
Código do texto: T3706881
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