Meu Amigo Judeu

Estou com uma saudade danada do Rio de Janeiro. Aquela cidade sempre será para mim a mais encantadora.

Morei lá nos anos setenta e conseguí sobreviver durante um ano, e muito bem, escrevendo cartas de amor para viúvos, e solitários que queriam se casar.

Casei muita gente, arranquei muitos suspiros e lagrimas com as minhas cartas. Casei até Judeu. Casei bem casado!

Era um Judeu Austríaco sofredor de guerra. casei com uma Judia Francesa, muito fina e rica.

Escrevia as cartas em Português e a filha dele traduzia para o Francês.

Foi a unica vez em minha vida que eu conseguí gostar do idioma de Lamartine, ouvindo as minhas cartas, traduzidas por uma Judia linda, que derramava lagrimas de encanto ao ler as minhas cartas. Ficou apaixonada. Se eu não fosse menor, fugido e duro, eu teria casado com ela.

Amei aquela criaturazinha maravilhosa até as lágrimas, talvez pelas minhas cartas lidas a meia voz, talvez porque tocava Chopin e Rachmaninof, maravilhosamente.

Extorquí algum dinheirinho dele, pagava bem quando se tratava de amor, porem a minha maior recompensa era estar ao lado daquele ser angelical, que tinha tanta esperança no olhar, e tinha por objetivo na vida, ser feliz.

Acompanhou o pai quando ele se casou, para Israel.

Quando ouço Chopin eu me pergunto ao lembrá-la: Será que ela esta sendo feliz? Me comovo! Não pude dar-lhe muito, e ela merecia!

Naquela época eu acordava bem cedo e costumava visitar aquelas igrejas barrôcas do centro, para assistir a primeira missa.

Na verdade o que me enchia o coração, era o ambiente de grande intimidade sagrada que os ornamentos do barrôco inspiram, desde o mobiliário pesado e austero, à musica densa e cheia de espiritualidade que só a musica barrôca oferece.

Chegava às seis horas da manhã e saia às oito. assistia duas missas. A organista me prendia com a sua musica divina.

Certo dia não resistí. Subí a escada e fui dar no púlpito para vê-la tocar e saber mais sobre aquela musica celestial que me tocava tanto, e no entanto eu nada sabia sobre o autor.

Na primeira oportunidade eu lhe fiz a pergunta e ela me falou sobre ele: Dietrich Buxtehude!

Era uma freira alemã que chegara bem jovem ao Brasil. Ainda tinha um sotaque carregado. Ficamos bons amigos. Ela me mostrou o caminho até Buxtehude, gênio do barrôco Dinamarquês, pouco conhecido aqui. Conseguí parte da sua obra musical, pequena e maravilhosa.

Nunca ví nada editado por aquí.

Se eu pudesse, construiria uma pequena igreja barrôca, levava aquela freira Alemã, e pediria para ela tocar a divina musica de Buxtehude, na entrada do paraíso!

Depois da missa eu ia visitar os vendedores de selos, as lojas de numismática. Passava horas conversando sobre moedas, enriquecendo.

Conhecia todas as lojas de antiquarios. Terminava a manhã nos sebos. Lá eu encontrei um livro de poemas de Byron, e varios de cecilia Meireles, a poetisa do meu coração, e tudo baratinho.

Coisas raras eu conseguí nos sebos do centro do Rio de Janeiro, naquela época.

No outro dia, de um pulo ia à farmacia Almeida Cardoso. Apreciava aqueles vidros de remédio embalados manualmente.

Pareciam objetos de arte. lembravam meu avô.

Passava na Casa das Sedas, nas Casas Gebara. Quase sempre visitava o Mercado das Flores, para olhar as flores, quando se tratava de levar as cartas para o meu amigo Judeu. Aproveitava e levava as mais singelas para a minha bem amada.

Aquilo tudo acredito, fazia parte de um exercicio para apurar a sensibilidade e ter inspiração para escrever muitas cartas de amor.

Naqueles tempos, as pessoas observavam a lealdade, e a sinceridade era coisa para se guardar.

Graças a isso eu casei muita gente. Casei até Judeu fugido de campo de concentração, com Judia Francesa muito requintada.

E não casei a filha dele comigo, porque era de menor, tambem fugido, e não tinha um só documento.

Às Organistas,

Porque o Orgão aquece o espirito e nos eleva,

a DEUS.