Nova novela

Nova novela








Uma novela desprovida de motivo, ou com motivo diminuto e debilitado. Um thriller psicológico aventando a futilidade das aventuras. Uma comédia de peripécias. Um drama informe. Um romance realista alheio aos artifícios do verbo. Um enredo de volteios, de labirintos, com argumentos em estado de inanição e de fertilidade racionada. Isso não. Que tal uma nova novela?

Uma novela de seres grandiosos que, às vezes, adquirem o hábito de sofrer, passar por necessidades, mas ainda assim seres grandiosos.

Rimos, fantasiamos, cantamos, atuamos, e retroagimos...

Uma novela sem horários definidos, diária, onde algum personagem dirá convicto: Tentamos falar com vocês na hora de dormir, mas é impossível, estão preocupados com tudo, a mente fica falando. A mente tem hora marcada com vocês nesse momento.

Outro personagem indagará com fingida displicência: “Você realmente quer estar aqui?”

Por norma, a narração usualmente curta, ordenada, repleta de fatos humanos fictícios, sofrerá adaptações. A nova novela quer sair do processo do velho humano.

Velhas ferramentas não respondem mais. Coisas eficazes no passado, de repente, deixam de funcionar. E, provavelmente, não funcionarão mais. O básico sempre estará lá. Respirar. Mas outras estratégias, algumas muito mentais, outras meio velhas, é desconcertante quando recursos costumeiros zeram os sinais vitais.

Uma novela de maneira consciente. De memória, de impressão. Um jogo.

Novas idéias surgem e, dois segundos depois, zás, desaparecem. Como você se manteve conectado com elas?

Ops, raiva, impaciência e frustração.
Soa como se fossem três parentes seus.

Uma novela, como a novela do violão.
Em cerca de 3.000 a.C. foram encontradas várias esculturas do que pode ser considerado um violão, em túmulos egípcios. Dotado de braço comprido e fino, com caixa harmônica arredondada, tinha apenas uma corda.

Ah, a nova novela será gravada ao vivo, com platéia e tudo.

Outro personagem discorrerá sobre a intensidade do presente. A intensidade afeta o corpo e, sem dúvida, afeta a mente. Parece um ambiente diferente. Os espectadores estão passando por uma reorganização e isso vai deixá-los cansados. Entra em cena o lado positivo do cansaço - tira o espectador da mente. Quando cansados, a mente não fica fazendo aquele rastreamento habitual.

Em dias de chuva será possível ouvir o diretor, ou até mesmo o contra regra, gritando ao léu: Esqueça a meta. Metas são uma droga.

O violão não tinha metas.

Com o tempo foi adquirindo as demais cordas. A quinta corda (Lá grave) surgiu em Jerusalém e a sexta (Mi grave), na Espanha. Existe a hipótese de um musicólogo alemão de que o violão teve sua origem no Egito.

Siga usando o coração como bússola.

Tudo é muito real, e cada ponto focado no real, ou se preferir, cada espectador, atua como uma esponja absorvendo a água.

Uma novela que não é mais um subproduto da programação hipnótica, sem características hereditárias e carma ancestral, mas sua, assim como seu corpo e sua aparência, sua, sem conceitos que ficaram no passado – e que não são mais seus – e sem manifestações que, definitivamente, não servem mais.

Attention: os misoneístas vão sofrer.

Os índios chamavam o violão de Vina, os sírios o chamavam de Sumerer e sabe-se que foi conhecido em toda a Ásia Oriental, antes mesmo dos fenícios.

A nova novela só ainda não está funcionando à toda por causa de rotinas e padrões iniciados num tempo bem lá atrás. Essas coisas foram colocadas no piloto automático e continuam a acontecer, reproduzindo os idênticos resultados.

De acordo com Pitágoras os trogloditas da Ásia Menor tocavam violões de três cordas, chamado Pandura. No mundo árabe o violão recebeu o nome de Sambleca, Sambuce e Sambuit.

Desta feita, uma novela capaz de encantar intelectuais, que irão encontrar no fim de cada episódio aquele desfecho proposto pelo poeta Gilberto Gil – “nada, nada, nada, nada, do que eu esperava encontrar”.

Supõe-se que os Hititas (2.000 a.C.) eram exímios tocadores de Kinnor.

Merabh? Não, não é o nome de um violão. De fato, literalmente em algumas línguas antigas, significa completude, reunião. Em última análise esta completude pede: Parem de tentar usar suas construções mentais pra saírem das construções mentais.

Pela madruga, você quer a velha novela, ainda?! As pessoas gritando sem parar, elas precisam gritar para achar que estão no controle, já percebeu? E dos gritos para a situação irremediável é um piscar de olhos...

Bem, a nova novela tem uma prima do merabh... chama-se miragem. Miragem significa “fascínio interior”.Ocorre então a sua Cerimônia da Miragem. Por quê? Porque isso, antes de tudo, é um reconhecimento. O autor se preocupa um pouco em colocar muitas palavras para esses fatores, porque de repente o público segue somente as palavras. Assim, a Cerimônia da Miragem e o conseqüente Reconhecimento são atitudes de cunho pessoal. Você pode assistir a novela com parentes e amigos, mas o que vem depois disso deve ocorrer em particular.

A velha novela intrinsecamente vai terminar por explodir coisas. O núcleo (que é você) e tudo a sua volta.

Em 1500 a.C., hieróglifos e textos hieráticos do Egito mencionam o violão, com o nome de Nefer.

Cada episódio trará doses palatáveis, pequenas doses interessantes, dir-se-ia pequenas iluminações, então começam a ficar um pouco maiores e maiores, até cada
integrante da platéia tornar-se uma grande peça ambulante de, vejamos, novas idéias.

Um dos redatores auxiliares da nova novela acredita que “Tudo Isso” são construções mentais, e seu intuito é que elas se tornem entendimentos profundos, entendimentos simples, não obstante, muito reais.

Attention: não se trata de uma meta.

Em dias de chuva, talvez porque nesses dias as pessoas, pela impossibilidade de estar ao ar livre, se sintam ociosas ou comprimidas, o diretor interrompa a gravação e diga para os presentes: A evolução para. Quando chegamos nesse ponto, ela para.

- A novela? – uma voz aflita indaga da platéia.

Todos se perguntam o que está acontecendo. Do palco, um letreiro luminoso pede silêncio e explica que esse texto não se destina a todos os públicos.

O diretor prossegue:

Não há mais a ganhar, não a mais a perder; não há mais o que ser adquirido ou o que aspirar. Nesse momento, quando de repente vocês têm esse “ahá”, em algum ponto, de repente percebem que agora, sem mais evolução, vocês têm a realização.

Após o século VII (D.C.), época da dominação moura na Espanha, o violão foi deixado de herança, tendo se tornado um instrumento conhecido em toda Europa pelo nome de Guitarra Espanhola. Ainda no continente europeu, não raro, o violão foi chamado de viola francesa.

O diretor continua, lendo numa folha de papel, ciente de que isso faz parte do script e a mensagem está indo para todos os televisores sintonizados na nova novela:

Lembrem das abelhas construindo os favos de mel, construindo a colméia. Elas ficam colocando esse lindo néctar lá, tanto néctar que chega uma hora que elas não conseguem mais lidar com ele e ele começa a pingar. Mas o néctar quer realmente pingar direto numa coisa relevante – numa bolacha, num biscoito, numa xícara de chá –, em vez de ficar esparramando pelo chão. O mesmo acontece com vocês. Vocês vão evoluindo, evoluindo, evoluindo, crescendo, crescendo e crescendo. É hora de parar isso.

Outras pessoas da emissora, (talvez em virtude da chuva), e que perambulavam pelos corredores, chegaram até o estúdio e estranharam ver os atores parados em suas marcações, e o diretor no meio deles, falando sem parar:

Imaginem tudo resolvido. Imaginem não entrar num jogo de adivinhação do que devem fazer depois. Imaginem não ter toda essa pressão quando surge o medo. Bem quando têm uma ótima idéia, bem quando estão se sentindo ótimos, de repente – swissst! – lá vem o medo. Imaginem não ter mais que ficar tentando as coisas na vida. É sério! Não tentem evoluir com base num monte de informações inúteis de professores, pais, seus aspectos, vidas passadas e tudo mais. Que falam: “Bem, é preciso evoluir.” Dizem de outra forma: “Você precisa fazer a coisa certa. Precisa ser melhor. Precisa ter sucesso na vida.” Tudo isso tem a ver com evoluir.

A partir de 1630 surgiu o primeiro método para guitarra espanhola, de autoria de Juan Carlos Amat. Logo depois surgiu o método de Velasco e em 1674 o famoso tratado Instrucción de la Musica Sobre La Guitarra, de Gaspar Sanz.

A nova novela está para ser encerrada. Deixará sua marca, e depois virá outra. Os atores se congratulam uns com os outros e se despendem. Um deles sorri para a câmera, dizendo:

“Estou vivendo, não evoluindo.”

A partir de 1800 o violão tornou-se mundialmente conhecido e gênios como Weber, Paganini e Schubert escreveram para violão.

Attention: Parte das informações contidas nesse texto foram gentilmente cedidas pelos Mestres, (autores da Nova Novela), para serem retransmitidas.



(Imagem: Sergei Vinogradov)




































 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 13/06/2012
Reeditado em 01/07/2021
Código do texto: T3722183
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