As chaves do Paraíso(EC)
 
Sonhei noite dessas, mal dormida, que uma nave cortava o espaço.  Animadinha, gritei para que todos viessem ver, torcendo para que fosse um disco voador, trazendo em seu bojo um Etezinho bem bonitinho. No entanto, bem de repente a nave se transformou. Era apenas uma ave. E que ave? Ora por certo uma pomba, tão bonita vista ao longe, tão bonitas quando em bando buscam alimentos em praças públicas, mas horrorosas quando vivem nas cercanias de nossas casas, com seus arrulhos, suas fezes e seus piolhos. No sonho a minha ave era bem bonitinha, branquinha e trazia no bico uma chave. De repente outras pombas foram chegando, todas elas carregando uma chave. E mais de repente ainda o céu ficou totalmente branco e foi achatando, tão coberto que estava pelo álveo bando. Fui ficando assustada com medo do que iria acontecer, pombas voando sobre mim, segurando uma chave. Vai chover, pensei, vai chover, mas não será água. Vai chover chave, mil e uma chaves sobre mim. Quem dera fossem as chaves do paraíso, pensei. Cheguei a ouvir o barulho das chaves despencando, mas antes que elas me trucidassem, acordei.

Não sei se choveu chaves ou se chaveu chuva, mas sei que o que me acordou foi o barulho da maçaneta girando e alguém abrindo a porta do meu quarto. Era hora de levantar e foram me acordar, ouvida que fui em meu pesadelo. Acordada, demorei um pouco a sair da cama, pensando em meu sonho e querendo achar a chave para compreendê-lo.

Em estudos anteriores aprendi que mais importante que o enredo de qualquer sonho é a sensação que ele provoca. O sentimento, a emoção.

Tenho que confessar, foi um sentimento horrível quando percebi aquele céu de palomas descendo sobre mim, carregando uma chave no bico como se fosse um ramo de oliveira. Como se fosse, mas não era e ficou claro para mim que não vinham em missão de paz. Mas chave?

A chave tem muitos símbolos, todos eles ligados a abertura de alguma coisa. Um cômodo, O fim de um mistério. De um segredo. Um enigma. E a pomba. Também não é segredo que a Pomba representa o Espírito, um dos três que forma o Uno, o fragmento Divino que faz do Homem a imagem e a semelhança daquele que chamamos Deus. E o que une o Uno é o conhecimento, a busca daquilo que ainda é oculto. Posso então considerar que muitas chaves já me foram dadas para que encontrasse o caminho do Paraíso e eu bobeei. Por conta disso o sentimento opressivo, o aperto no coração que sentimos quando estamos perdidos.

Na casa de meu Pai tem muitas moradas, disse uma vez o Filho que deixou de ser parte e voltou ao Todo. Isso me deixa mais aliviada, na certeza de que pelo menos uma chavinha há de sobrar dessa chuva que caiu, uma chavinha para que pelo menos uma portinha do Paraíso eu possa abrir.