Lágrima de fantasia

Os trapos eram remendados com velhos fios achados na rua. Andava meio cambaleando, não por estar embriagado, ou drogado, mas os meninos da rua haviam moído seus fracos ossos da perna- a cicatrização foi torta e fraca, deixando-o coxo. A barba já se tornava longa, causa dos anos sem cortar. Além da sujeira, perdeu-se a cor da juventude. A face, odiada pela civilização, magra e corada pelo sol. Mostrava a todos o sofrimento do velho, que já foi um rico jovem. O corpo mostrava o contrário das pessoas dentro da livraria: magro, baixo, cheio de manchas. Um civilizado recomendaria um dermatologista ou nutricionista...

Lentamente a pequena figura foi entrando no estabelecimento. Tentando não ser notado, dirigiu-se à parte mais ao fundo da loja, pegou o livro com a capa mais atraente. Analisou a textura, as letras, as formas. Abriu-o em algum capítulo e, com dificuldade, daquelas que o tempo concedeu por falta de prática, começou a decifrar aqueles inúmeros códigos. Balbuciava algumas palavras para ajudar a compreensão.

Perdeu-se num mundo de fantasias, de dragões e heróis. Perdeu-se num mundo onde a justiça queria ser vigorada, onde os decadentes honestos viravam reis e os injustos, vassalos. Passou um tempo totalmente indeterminado. Não lhe importava que aquele tempo fosse infinito, que sua realidade não tomasse vida novamente.

Tão fora de si estava, nem sentiu a fria mão do gerente tocando seus finos braços. Olhou para o rosto do funcionário, que o encarava, e viu-se em sua juventude. Se fosse da livraria também expulsaria um velho pobre.

Não precisou de nenhum aviso para que começasse a sair. Os clientes não tinham nada haver com a situação. Simplesmente abandonou o livro na estante e saiu andando para sua casa. Conforme andava, admirava as pessoas, a vida delas, os hábitos. Para muitas, o incidente passou despercebido, assim como ele passava despercebido por elas nas ruas.

Quando saiu da loja, dirigiu-se a um muro. Sentou-se, abaixou a cabeça. Queria poder acabar a história do livro, ou simplesmente fazer parte dela.

As chuvas, os pingos, complementavam e disfarçavam os olhos lustros, as lágrimas desidratadas.

Eduardo D
Enviado por Eduardo D em 16/06/2012
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