MINHA MAGRELA HOLANDESA

Só bem mais tarde eu fiquei sabendo do que aconteceu.

Ela desapareceu e nunca mais fiquei sabendo do seu paradeiro!

Certa vez!...

A saudade já corroia minha alma e eu absorto em mil pensamentos perambulava pelas ruas naquela madrugada fria. Aqui e ali um pulguento ladrava e em vôos rasteiros alguma ave noturna farfalhava suas asas, de um lado ao outro, na busca de alimento.

E nada mais existia, apenas eu e o mundo.

A lua, companheira das madrugadas, caminhava comigo silenciosa iluminando meus passos hesitantes. Ela, branca tal qual uma noiva, respingava em luzes respeitando meu silêncio.

A viela, margeada de flores, cercas podres caindo, poças de água imundas e postes bêbados enfileirados, dava um tom melancólico as minhas tristes lembranças.

Caminhava no meu caminhar, de passos perdidos, quando ouço uma voz lânguida, medrosa, suplicante que em desespero me chama de um jeito especial. Reconheço aquela voz metálica. – Por certo é ela, pensei comigo, e perturbado, assustado, parei e feito sonâmbulo fui atraído involuntariamente para o local.

- Meu chefe!

Aquela voz sumida, triste foi melodia para meus ouvidos naquele momento.

- É ela, é ela! Sim é ela, eu reconheço, pois era assim que me chamava.

Um misto de tristeza e alegria invadiu minha alma. Alegria por encontrá-la finalmente depois de tanto tempo e tristeza pelo lamentável estado em que a encontrei.

Quase de joelhos, ao lado dela, passei delicada e demoradamente meus dedos por todo o seu frio corpo. Queria absorver aos poucos, numa sensação de retrocesso, todo o tempo perdido. Uma lágrima morna desprendeu-se de meus olhos e correu salgada molhando o canto de minha boca.

- O que aconteceu com você? Supliquei para ela.

E assim, enquanto eu a acariciava, ela começou em profundo soluço falando.

- Eu e a Laura nos divertíamos muito!

Alguns segundos de sepulcral silêncio, e ela então continuou:

- Eu me lembro bem que você me deixava a um canto pedindo para que dali não saísse até a sua volta, mas sua irmã vinha e dizia:

- Vamos, vamos sair! Ninguém vai ficar sabendo!

- Eu acho que não vou não. Meu chefe vai ficar zangado.

- Vamos sim! Eu prometo que deixo você no mesmo lugar.

E ela, demonstrando uma saudosa alegria continuou.

- E saíamos às duas feitas doidivanas correndo de um lado para outro. Muitos tombos eu levei e ela preocupada cuidadosamente me limpava.

Ela suspirou e por algum tempo ficou silenciosamente como que remoendo saudosos momentos passados.

Respeitei o seu silêncio, mas com um pouco de raiva, neste intervalo de tempo, pensei:

- Ah! Minha irmã, então era você que brincava escondida com a minha holandesa?

Em voz sumida completou dizendo:

- A minha vida era tão boa, com você e às escondida com sua irmã, mas numa noite escura, lamentavelmente fui seqüestrada.

Suspirou demoradamente e continuou:

- Enquanto ele me levava eu gritava em vão -“Deixa-me, deixa-me vil ladrão! Quero voltar para meu chefe; Quero brincar com a irmã dele. Deixe-me, deixe-me”

E com uma tristeza infinda completou:

- Inutilmente eu supliquei para aquele desalmado ladrão e assim fui usada, abusada e abandonada aqui neste local.

- Maldito ladrão! Pensei eu.

Seu sepulcral silêncio indicou que tudo era tristemente finalizado. Inutilmente eu a chamei. Gritei num grito de dor, e meu grito se perdeu confuso no grito de tantos outros gritos naquela madrugada fria. Chorei lágrimas de dor, raiva e desespero.

Juntei o que restou da bicicleta e continuei meu caminhar solitário.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 17/06/2012
Reeditado em 17/06/2012
Código do texto: T3729302
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