Virgindade

Bicho de sete cabeças. Anatômico. Estranho e mal falado. Inimigo da popularidade e do bom censo. Avessa ao adolescente e inimigo dos jovens. Vergonha da humanidade no auge da modernidade.

Outro dia percebi uma menina apática, feia de tão pálida, isolada das demais. Os olhos sem brilho definiam uma tristeza além da normal nessa idade. Aproximei-me como quem não quer nada. Sentei ao seu lado e reclamei de como estava calor e que, por estar acima do peso, sentia ainda mais o verão. Ela riu um riso sem graça. Estratégia minha essa de me aproximar bem humana, bem vulnerável. Fui puxando assunto, trivialidades para assuntar sua melancolia. Como ela só respondia por monossílabos, lasquei a pergunta à queima roupa: “Quem foi o babaca que te deixou assim?”. Ela arregalou os olhos baços e gaguejou: “Q-que?”. Acertei em cheio. Por fim, fiquei sabendo que um menino com quem ela ficava fez “pouco caso” por ela ser virgem (acreditem, isso aos 13 anos!) e pior: por ela não se sentir pronta para o sexo. Cortou-me o coração. Eu era uma espécie de mãe com quem ela podia lamentar sua triste sorte.

Fico tentando imaginar a cabeça desse menino de 15 anos. Acho que ele deve ter viajado no tempo. Na verdade ele é um troglodita do tempo das cavernas. Não, os homens das cavernas eram quase animais, coitados. Então deve ser um alien em pele humana. Um ser sem humanidade, criado para usar o próximo ao seu bel prazer. E descartar depois. Mas a questão vai um pouco além da moral. Onde foi que erramos? De repente, os jovens decidiram acabar com o amor e o romance em troca de um pouco de prazer e solidão.

A questão é que a virgindade, que até algumas décadas atrás era sinônimo de honra, agora é sinônimo de vergonha. E não falo só das meninas e seus hímens. Os meninos sofrem muito com isso também. Porque são cobrados o tempo todo. E ainda na adolescência são forçados a terem a experiência de um adulto. Ridículo!

A virgindade está mais na cabeça do que no corpo (essa é velha, mas é verdade). Eu perdi (perdi, mesmo!) minha virgindade aos 16 anos. E não estava preparada para isso. Era só uma menina. Insegura, cheia de dúvidas. E sabe o que me levou a ter minha primeira relação sexual? O medo de meu namorado me deixar. Estávamos namorando há três meses, ele foi categórico em afirmar que tinha “suas necessidades” e que se eu não estava pronta, ele precisaria “descarregar” com outra pessoa. E as minhas necessidades como pessoa, de me preparar para um ato tão importante? Tão velho esse artifício. Mas funcionou. E ainda funciona. Em resumo: Foi um desastre. Senti muita dor, meu corpo não estava preparado. E psicologicamente fiquei arrasada por um bom tempo.

É claro que a maturidade me fez rever muitos conceitos. Mas penso que os jovens sofrem muito mais agora. Porque há uma pressão explícita de todo lado. E a virgindade passou a ser selo de incompetência. Infelizmente. Incompetência de se relacionar. Não ao seu tempo, preparado, como você acha que deve ser. Mas no tempo da sociedade, dos amigos, do parceiro.

Penso que houve uma inversão de valores ainda não percebida por muitos. Antes, a mulher era educada para casar, procriar e servir ao marido. Sem pensar em sua sexualidade com prazer. E o homem, ainda imberbe, era levado ao meretrício para “aprender a ser homem”. A virgindade era um determinante social. Agora são estimulados, ambos os lados, a serem modernos. E a primeira transa, que antes acontecia depois de casada, para as mulheres, e depois dos 17, 18 anos, para os homens; acorre na mais tenra idade: 12, 13 anos. Às vezes antes! Nossas crianças fazem sexo!

E o que antes era esperado, preparado, agora é corriqueiro e banal. A sociedade, a cultura, a imposição de valores fizeram algo tão bonito e humano ser tornar desprezível e mecânico.

Um dia os jovens lutaram por seus direitos e gritaram que queriam fazer amor. As mulheres não queriam mais o tabu da virgindade. Conseguiram. A que preço? Ainda descobriremos. Daqui a pouco se reunirão outra vez para exigirem seus direitos à opção. E proclamarão aos quatro cantos do mundo que querem ter o direito de se casarem virgens. Acho que voltaremos ao começo.