O VELHO E O RIO
Todas as manhãs quando passo pela ponte Nossa Senhora da Conceição, mais conhecida como 'ponte do São João', os primeiros raios de sol já despontam no horizonte e faíscam no imenso espelho d’água formado pelo belo Rio Paraíba do Sul. A luz matutina surge clareando o dia, ainda frio, neste fim de outono. Extasiado, contemplo tudo aos pouquinhos e mentalmente absorvo esta boa energia que vai invadindo todo o meu ser.
Sigo na minha rotina diária. Já quase próximo das sete horas, na calçada oposta, avisto um velho pescador solitário lançando suas iscas nas águas do belo e maltratado Paraíba. Toda semana, em dias alternados, ele vem e se posiciona sempre no mesmo lugar, dividindo o curto espaço da calçada com alguns poucos transeuntes e ali exercita prazerosamente sua arte de pescar.
Eu, apressado como sempre, ensaio uma paradinha pra puxar um dedo de prosa. Hoje vai dar; atravessei a pista e parei próximo dele. Observei por alguns minutos o rio caudaloso e engatei um tímido “bom dia”. Ele, muito gentil, me deu atenção. Seu nome: Sr. João ou Seu João como popularmente é tratado. Diz-me que pesca nesta ponte há muitos anos e que antigamente conseguia fisgar bons exemplares de piabas, mandis e raras piabanhas. Vez ou outra se encantava com os saltos dos dourados. Tinha também corimbas e cascudos, mas isto já seria para outro tipo de pescaria.
Hoje, muito tempo depois – bota tempo nisto! - continua firme fazendo o que gosta, pescando alguns pequenos e minguados mandis e vez ou outra fisga um de bom tamanho. E é só.
Ele lamenta os tempos modernos, sabe da poluição das águas, mas, mesmo assim gosta de passar ali algumas horas curtindo seu hobby.
Seu João, com muita sabedoria, me contou que este rio batizou a cidade, cujo primeiro nome foi, Vila de Nossa Senhora da Conceição do Paraíba. Tempos depois passou para Vila de Nossa Senhora da Conceição de Jacarehy até adquirir o nome atual, Jacareí. Formou-a, alimentou-a, saciou sua sede, irrigou suas terras e, impotente, teve suas margens e várzeas violentadas para retirarem a melhor areia da região, responsável pelo progresso de inúmeras cidades. Com tudo isto, o homem na sua ganância e estupidez o esqueceu, o poluiu e quase o destruiu. Quase?
Ouvi seus lamentos com muito carinho e me compadeci, me entristeci. Percebi que seus olhos, já cansados, lacrimejados, deixavam transparecer uma profunda e contagiante nostalgia.
Valeu muito esta rápida paradinha. Quanta coisa boa aprendi com este velho pescador.
Quanta história armazenada na sua brilhante mente que já apresenta lampejos de amnésia, o que é natural pela idade avançada, porém, contudo, as palavras ainda fluem claras e suaves, num tom de voz que traduz melancolia.
Seu João, que bom te conhecer!
Bom dia e boa pescaria. Até outro dia.
Precisamos conversar mais, se Deus quiser!