Quando o amor chegar

Quase não sentimos o tempo passar. O conta-gotas dos segundos, minutos, horas, dias escorre sem que percebamos.

Já estamos quase no carnaval, e ainda ontem era natal. Ontem? Aqui na cidade a prefeitura começou a montar os andaimes da arquibancada. É, temos também um desfile de escolas de samba. Uma festa invejável, que rivaliza com o Rio de Janeiro.

E garanto que a Edileusa não vai perder o desfile. Não, ela não teria coragem de desfilar com um biquíni sexy, com plumas na cauda deslumbrante de pavôa carnavalesca. Ela vai sambar nas arquibancadas, saudando as suas amigas mais desinibidas.

Ela já está meio madura, começando a enrugar a pele de fruta desejável, seu olhar já está meio sem brilho, suas carnes meio frouxas já balançam ao ritmo do samba, principalmente nos braços, logo acima dos cotovelos, dois nacos de carne molenga, dois quilos em cada braço, projetados pela gravidade rumo ao chão.

Ah. A Edileusa, já foi linda, uma inspiração para os poetas da cidade do interior, a musa de sonetos e trovas. E ela passou os anos se guardando para o seu amor, o grande príncipe que reconheceria o seu valor e a levaria para as grandes capitais da Europa, para o luxo de Mônaco, como a Grace Kelly, para a sensual Paris, para Roma a capital dos paparazzi, a Via Veneto, a fonte onde Anita Ekberg banhou suas lindas carnes tão parecidas com as suas carnes edileusianas.

E eu sempre a amei. Na escola, com o uniforme de saia azul e blusa branca, tranças e perninhas finas. Depois, parecia que ela seria um grande sucesso. Mas nada. Não namorou, não casou. Permaneceu ligada à família austera, à mansão antiga de pé direito alto, de janelas de pinho de Riga, do piso de tábuas que rangiam.

Na missa dos domingos Edileusa sempre foi presença constante, junto com mãe e tias. “Edileusa, uma deusa”, sussurravam baixo ao cruzar com ela. Daria tudo para saber dos detalhes de sua confissão...Quais os seus pecados, Edileusa?

Agora, madura pelo passar dos anos, Edileusa parece nunca ter se conformado com o seu destino de solteirona. Quando o amor chegar Edileusa o encontrará firme e pura, como aos quinze anos.

A menos que tudo mude, que o mundo se revolucione, que a calota polar derreta. Porque corre o boato que esse ano Edileusa vai sair de destaque na escola de samba!

Bravos, Edileusa, faltam poucos dias, finalmente vou ver o seu rebolado!