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A  FERPA         

 

A ferrada veio por baixo da unha!  O movimento rápido da plaina, virou-a abrupta, expondo a cabeça do dedão à mercê da madeira.  O instante foi único; a sensação  na forma de pequeno choque, seguido de apertada gastura por sentir e ver aquele corpo estranho entranhado e visível sob a unha.

A ferpa viera das tranças enfezadas do enrijecido jatobázeiro!

Do local ferido irradiam mil enervações a transmitir incômoda dor pungente e por demais persistente.

A ponta da agulha escarafunchando o tecido sob a unha buscando o intruso torturador torna o fato mais desesperador; à medida que ela toca a carne, seguro o fôlego num gesto de defesa. O corpo vai esticando  acompanhando o aprofundamento do fino instrumento penetrando: primeiro estico o pescoço, em seguida vai a coluna e, finalmente, estou no limite dos pés! Desisto.

Os dias passam. O local inflama e o serviço da marcenaria reclama. Ainda é suportável.

 Uma semana após, mal reconheço a ponta inchada e vermelha do dedo causada pela encrenca. O menor toque ali provoca verdadeiro suplício; a dor aguda irradia com extrema velocidade, tal o panarício já vivido. Naquela ocasião, após dias de sofrimento, --- rivaliza agora, --- o basilicão aflorou três carnegões na extremidade do anular, face contrária à unha. Ao lancetá-los, aplicaram longa agulha na base do dedo, cuja penetração minava o sangue. Por desconhecimento da jovem enfermeira executora do procedimento, e meu também, o estado avançado da infecção tornava o anestésico ineficaz. Logo fui o primeiro a saber, ou melhor dizendo, a sentir.

Dentes cerrados, a testa suando frio, o médico se aproximou e desferiu o corte. Não satisfeito, apertou rudemente o dedo  para extirpar o pus. Deus do céu! Ali estava minha bendita vó pelo avesso, vendo meus joelhos baterem quais birutas açoitadas!

Cingida pela dor cruel e sufocante, a garganta fechara; fiquei sem a voz. Mas se o grito não saía os joelhos continuaram a tremer. Lembro-me, contudo, de certa voz dizer: “Dê analgésico a ele!”. E só.

Tristes lembranças quando me preparo para extrair a unha em busca do maldito estrepe.

Para tanto, estou cá preparando os meus pobres joelhos!

(a palavra ferpa é uma corruptela de farpa, usada em certas regiões)